
Também os une a editora, mas um acabou de chegar e o outro é daqueles que, estranhamente, nunca aqui veio parar, já bem velhinho.
Foi dos mais lidos cá de casa, daqueles que tem fita-cola, folhas a sair e a colarem-se umas às outras, com certeza resultado de mãos mal lavadas, como estão sempre as mãos das crianças.
Nunca dissemos "papá", nem "mamã" (aliás figuram na nossa listagem familiar de #expressoesquenosencanitam, por isso sempre aldrabámos a leitura — porque este é do tempo em que os animais falavam e os miúdos cá de casa só liam imagens e sabiam as histórias todas de cor.
Esta não é a história da "Mónica e o desejo", mas é também de uma menina Mónica com um desejo, que pede ajuda ao pai para que este lhe dê a lua.
Sabemos que os pais moverão montanhas para nos darem a lua, ainda que figurativamente, mas aqui a coisa é bastante literal. Apesar dos seus esforços, o pai não consegue chegar à lua, mas consegue chegar à fala com ela. Imaginamos também pais com pouca vontade de pedir favores, a fazerem das tripas coração, ultrapassando a sua timidez, ou só falta de jeito, para dar a lua à miúda.
E, surpreendentemente ou não, a lua faz do impossível o possível e o pai consegue dá-la à filha, por entre páginas que se desenrolam e abrem, se esticam para um lado e para o outro, como os desejos e os sonhos das crianças felizes.
Em Minha Guia, Meu Capitão, a realidade é outra e o objetivo é talvez mais prosaico que ter a lua: simplesmente chegar incólume à escola — pois o pai não vê e a filha vê mal e o caminho é complexo.
As ilustrações dos dois livros parecem trocadas: as do Eric Carle, desenhadas com tesoura e pincel, podiam ter sido feitas por quem não vê bem; as da Maria Girón, que parecem fotografias esbatidas pelo sonho, são de uma hiperrealidade delicada, de quem vê todos os detalhes com uma lupa.
Por ver melhor que o pai, a menina guia-o através da azáfama das ruas, onde o pai vê coisas que mais ninguém vê. Ele é o seu capitão e atravessa a selva da cidade com a segurança da sua mão. No livro há muitas passadeiras, passagens e cruzamentos, como na vida.
E também na vida, com sorte, um pai é uma figura que anda por perto de nós por muito tempo. Desde o tempo em que lhe pedimos a lua, e ele faz o pino para isso, até ao tempo de sermos nós a dar-lhe a mão e a guiá-lo por onde desejar ir. Mas, desenganem-se: mesmo nessa altura, o capitão será sempre ele.
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Kalandraka, 2006
Eric Carle
isbn 9789728781569
Kalandraka, 2024
Gonzalo Moure texto, Maria Girón ilustração
isbn 9789897491726
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