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5.7.24

As cavalitas do meu pai

Andei a festejar os 80 anos do meu pai.
Os meus pais têm os dois mais de 80 anos e tenho a graça de os ter, de saúde, perto de mim.
Para mim uma pessoa de 80 anos era um velhinho. Para o meu pai era uma coisa inimaginável. O meu pai fez 80 anos e não é um velhinho. Por isso nem sempre sei bem como agir.
Enquanto vou percebendo a melhor maneira de ser presente na vida deles, dele, vou agradecendo a benção de os ter comigo.
Eu e o meu irmão somos bastante diferentes, mas ambos pessoas bastante seguras.
Sendo uma coisa e o seu contrário, ao mesmo tempo, em muitas das suas características — pessimista e otimista, calmo e elétrico, exigente e complacente — o meu pai foi sempre a figura paterna sólida, essencial para transmitir a segurança que cria pessoas confiantes.
Esta ambivalência nunca nos confundiu, não fez com que não soubéssemos com o que contar. Antes, deu-nos a ver a complexidade que cada pessoa encerra na riqueza de quem é.
É bonito e divertido encontrar nos diferentes netos a sua sede de conhecimento, a sua argúcia, a sua capacidade para lidar com números, o seu espírito conciliador, a sua incapacidade para lidar com o trânsito e o desespero com atrasos.
Durante muitos anos, antes de me deitar, o meu pai carregava-me às cavalitas para dar "a volta à casa". Passávamos por todas as divisões do nosso T3, antes de me deixar no quarto que dividi com o meu irmão até tarde. 
Acho que devia ter a clássica nostalgia do fim do dia ou medo do escuro, não me lembro exatamente. Mas sei que esse ritual de fim de noite me apaziguava o espírito. E, carregar-me às suas costas pelo nosso microcosmos, foi a maneira que o meu pai encontrou de me descansar.
As mãos, o toque, são fundamentais desde o princípio da vida. Não tive nunca falta delas. Obrigada, pai.
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As mãos do meu pai
Orfeu Negro, 2024
Deok Kyu Choi
isbn 9789899071735

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