O que primeiro salta à vista é a determinação do rato Vicente: ele sabe exatamente onde precisa de estar, o que anda a fazer.
Além disso, não carrega a casa às costas, carrega uma casa às costas e a diferença entre este artigo indefinido e um definido não é coisa pouca.
Em geral carregamos a casa às costas, a nossa. O rato Vicente carrega uma casa às costas e depressa percebemos que a escolha deste tipo de artigo não acontece por acaso, pois é de facto a mais justa para explicar a natureza desta casa.
É que a casa de Vicente, espreitamos durante a história, não parece ser exatamente dele: é uma casa de todos os que precisam de uma casa, de um abrigo, de um lugar seguro.
E este "de todos" é de facto de todos, mas não sem que o ratinho se tenha de pôr em bicos dos pés. É que, depois de bafejados pela generosidade do seu anfitrião, mas perante a chegada de um forasteiro que consideram inaceitável, os animais querem fechar a casa, não abri-la.
E é apenas nesta altura que o Vicente faz valer a sua condição de proprietário. Afinal é ele o dono de uma casa, da casa, desta casa que, em vez de ficar apertada à medida que se enche, alarga de cada vez que entra mais alguém. Vicente põe as patas à parede e explica que, em sua casa, todos os animais são bem vindos. Todos.
E depois segue caminho, para onde sabe que precisa de estar, com aquela mágica casa às costas, aquela uma casa que é dele para todos, todos todos.
Há cada vez mais livros que apregoam ensinar a tolerância, a convivência pacífica entre diferentes. Este não. Este conta uma história simples, com lindíssimas ilustrações de Isabelle Arsenault. Não diz que vai ensinar nada mas o caminho que fazemos com o rato Vicente ensina coisas fundamentais e terrivelmente contemporâneas.
Neste livro, a casa de Vicente é uma ausência, um buraco, um recorte. Porque esta casa não é um conjunto de paredes, pavimento e cobertura. Não é um espaço construído, é a construção de um espaço. É um caminho, uma predisposição, um coração onde cabem todos, indefinidamente.
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Bruaá, 2023
Jonathan Stutzman texto, Isabelle Arsenault ilustrações
isbn 9789898166548
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