Os livros que tenho aqui posto durante as últimas semanas, falam todos sobre caminho, viagem, silêncio.
São todos histórias de procura, de busca, de perspetiva de encontro; de ânsia de completude, de felicidade.
Este O pedaço que falta está aqui na estante há muito tempo e hoje pareceu-me o livro certo para esta última semana de Quaresma, para este tempo-caminho-passagem em que a primavera está pronta para rebentar em força.
Na quinta, as flores inundaram o terreno e esta paisagem complexa e vibrante, não tem nada a ver com a simplicidade e alvura deste livro.
Bastante desconcertante, ou não fosse uma obra de Shel Silverstein, esta personagem-coisa rebola, com dificuldade, em busca do pedaço que lhe falta.
Tem uma boca, tipo pac-man, que lhe permite falar e cantar pelo caminho, mas que também o torna pouco aerodinâmico para poder rolar rápido.
Isto faz com que tenha tempo para viajar devagar, falar com quem encontra, procurar com cuidado.
Depois de muito caminho e várias experiências goradas, acaba por encontrar a peça exata, o encaixe certo — e forma o círculo perfeito.
Agora é uma roda altamente aerodinâmica e viaja a toda a brida. Mas não tem tempo para falar com ninguém, observar nada com tempo e cuidado, cantar e falar.
Ao preencher o pedaço que lhe faltava, ao ficar aparentemente finalmente inteiro, a personagem-coisa deixa, em última análise, de ser quem realmente é.
De maneira que deixa a fatia que aparentemente a completava e segue caminho, tal e qual como no início do livro: à procura, em busca, na perspetiva de encontro, sempre na ânsia de completude, de felicidade.
Um retrato da insatisfação permanente da alma humana, mas também da sua capacidade de procurar e de voltar ao caminho, sempre.
Uma boa Páscoa.
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Bertrand Editora, 2019 (1ª edição, 1976; renovado em 2004)
Shel Silverstein
isbn 9789722538237
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