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23.2.23

O poder do Era uma vez

Muitas vezes perguntam-me se conheço livros com histórias mais tradicionais no tipo de narrativa. Das do tipo "Era uma vez".
É verdade que, na incrível diversidade dos álbuns ilustrados, nas múltiplas abordagens ao que este objeto pode ser, se têm construído livros que já se tornaram clássicos, sendo ultra modernos.
A relação da criança com o livro (quer leia texto ou não)  tem ganho muitas novas dimensões e isso é mesmo muito bom.
Mas também é verdade que há uma certa magia inigualável no "Era uma vez".
Este li-o à minha sobrinha F (pouco mais de ano e meio) e, eu, que não aprecio classificações etárias por si só, diria que esta história não é de todo apropriada para a idade dela. Mas era o que tinha ali à mão e assim foi.
A F não gosta de ter os livros no colo. Irrita-se com o peso ou a dureza da capa — e ela não se irrita com muita coisa, mas sabe exatamente o que quer.
Problemas de déficit de atenção não tem: ouviu e viu as 40 páginas de história do princípio ao fim, comentando algumas páginas ou ilustrações, apontando para outras, nitidamente interessada. Li o texto tal-e-qual, com as palavras difíceis incluídas, do princípio ao fim, apontando alguns animais, perguntando-lhe se passávamos a página, gesto que muito aprecia e faz com cuidado.
É certo que, nesta idade, embora pouco digam, já muito percebem, mas a aventura mágica destes dois príncipes não me parece que a tenha apanhado.
O que foi então que a prendeu? As ilustrações não têm as cores vibrantes que os bebés gostam ou as formas simples de objetos do dia-a-dia que gostam de reconhecer.
A casa onde estamos tem uma torre, como a do castelo desta família real. Dizem que nela vive um fantasma, mas para além da coruja, nunca lá vimos ninguém. Em volta, há também muitas árvores, passarinhos, ratos e raposas. O rio passa ao fundo e há muita água a correr por todo o lado.
Mas não me parece que ela tenha ainda noção de todas estas semelhanças. Parece-me que o que a prendeu foi mesmo a ideia de ouvir e ver uma história, lida só para ela, com livro apoiado no braço do sofá — para não lhe incomodar as pernas!
E o clássico "Era uma vez um rei e uma rainha" tem de facto qualquer coisa de encantatório.
Estes, como muitos outros, não conseguem ter filhos e recorrem à magia, medicina do antigamente.
Dois inusitados príncipes habitam agora o castelo feliz mas, claro, a vida não corre sempre como queremos e eis que acontece um grande azar que, como também sabemos, nunca vem só.
Muitas aventuras e desventuras depois, umas narradas outras só intituladas, regressam ao lar encantado num final do tipo "E viveram felizes para sempre", com um comic relief extra, bastante contemporâneo.
Acabada a história disse a F, na sua língua própria e perfeitamente inteligível: outra vez!
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O Pequeno Robot de Madeira e a Princesa de Lenha
Fábula, 2023
Tom Gauld
isbn 9789896238971

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