Nesta casa não há problemas de concentração.
Há muita gente distraída, cabeça na lua, do tipo de dar um beijo ao chapéu e pôr a mulher no bengaleiro, de procurar a borracha com ela na mão, de, chegando o tempo dos óculos, andar à procura deles com eles na cabeça. Mas isto não são problemas de concentração.
Dou aulas há 16 anos e sei bem o que são problemas de concentração. E as consequências que têm.
E foi por isso que achei este livro mesmo magnífico. Texto e imagem concorrem para um retrato e um recado: o retrato da cabeça de repente em branco, da cabeça perdida, da confusão do tempo e do espaço;
o recado da empatia, da força para a luta e das pistas para encontrar estratégias de concentração, de foco.
Com muito poucas palavras (incluíndo várias páginas sem texto), com muito pouco, muito é dito.
A ilustrações, delicadas e impiedosas, abstratas e realistas, parecem-me retratar com grande justeza a montanha russa que é a atenção (ou a falta dela) de alguns miúdos.
Não sou psicóloga, não sei se é mesmo possível, para toda a gente, aprender a concentrar-se numa coisa de cada vez. Se para todos isso é de facto uma escolha.
Sei que o mundo, tal como está desenhado hoje, funciona muito contra estes miúdos (e contra o resto do mundo, já agora).
A propósito de tudo isto, vale a pena ler ou ouvir a miúda de Brooklin que escolheu viver offline. Passando a primeira parte da entrevista sobre a causa primeira da sua decisão — o instragram — em que muita gente pode não se rever, as conclusões e experiências a que a miúda chega são mesmo interessantes e reveladoras da possibilidade de um novo (por ventura velho) tipo de atenção, mesmo que não se queira seguir uma via tão radical.
A desconcentração é muitas vezes a imaginação — e isso é maravilhoso. Mas a dispersão é inimiga da criatividade, da criação, da progressão, do fascínio, da descoberta. Hoje fala-se mais em foco do que em que concentração. Pode vir da tradução literal do inglês, mas, o que é certo é que muitos andamos com o cérebro, os olhos e o coração meio desfocados.
Vamos focar a lente?
............................................................................................................................................................
Livros Horizonte, 2022
Catherine Grive texto, Frédérique Bertrand ilustrações
isbn 9789722420624
Sem comentários :
Enviar um comentário