Estive na Madeira, com a família: belíssima viagem, belíssima ilha, belíssimos dias.
Viajar, conhecer, construir memórias coletivas — fazer família.
Muito bonito ver de perto (por vezes demasiado perto, quando nos metemos por aventuras mais arriscadas) a floresta laurissilva. O luxo de poder ver a riqueza e beleza da vegetação luxuriante, na encosta norte, que os navegadores terão visto pela primeira vez, há tanto tempo.
No meio do desastre arquitetónico e urbanístico que assola grande parte da ilha, quem ganha é a natureza. Sempre. Parece não haver escapatória possível à força do verde e do azul.
Depois fui a Óbidos, ao Folio. Lá, visitei finalmente O Bichinho do Conto.
E, claro, em jeito de boa vizinhança, trouxe um livro para a prateleira.
O Bichinho também edita e foi um deles que trouxe, a conselho da minha amiga Maria: fomos levar A janela ao Oeste e de lá trouxe A varanda, que tanto me fez lembrar a Madeira.
A varanda parece ser uma história só de imagens. Mas não é. Comecei por estranhar as legendas em algumas páginas, não pareciam necessárias. Entendo agora essas palavras como inter-títulos de um filme mudo que sublinham o que está a acontecer, para além de me parecerem sinal de um gosto claro da autora por caligrafia.
As páginas são altas como os edifícios da cidade para onde a menina se muda, com a família, deixando o campo para trás. Os pássaros, as plantas a natureza, vê agora, lá longe, da sua varanda.
Viver na cidade não é fácil; ir viver do campo para a cidade, ainda mais difícil.
Na PIM!, a mostra de ilustração coletiva do Fólio, o repto lançado aos ilustradores foi "Ai... se eu mandasse".
É sintomático, e também bonito, como tantas das respostas vão no mesmo sentido deste livro: a necessidade de natureza, de verde, de espaço, de encontro, de comunidade: 'Se o André Carrilho mandasse “o mundo seria verde”, com ajuda da Carolina Celas que “pintava todas as cidades” desta cor, da Eduarda Lima, que “forrava de plantas cidades inteiras”*, da Madalena Matoso, que “plantava árvores nas rotundas. E nas praças,largos, beiras das estradas e onde quer que houvesse espaço disponível”.'
Como na Madeira, também nas páginas deste livro a natureza irrompe sem parança.
Naturalmente saudosa da sua casa no campo, a menina encontra literalmente uma semente de esperança e contagia toda a cidade de betão com a força da vegetação. No processo, faz também crescer uma amizade e o inter-título do início do livro, repete-se no final.
Porque casa pode ter muitas definições, mas a nossa é sempre o lugar onde existimos, felizes, com aqueles de quem gostamos, de preferência rodeados de natureza e cultura.
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O bichinho do conto, 2020
Melissa Castrillón
isbn 9789897733277
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