Hoje faço anos. Hoje faço anos e vou à praia. Hoje faço anos e vou à praia, qual surfista, a meio da semana.
Gosto muito de ir à praia. No inverno e no verão — e também nestas alturas, meio-meio.
Uma das razões do meu gosto pela praia prende-se com o facto da praia ser dos poucos lugares onde consigo fazer nada. Não não fazer nada, mas fazer nada.
E eu preciso muito de fazer nada.
No verão, quando lá passo mais tempo, levo o tricot ou o bordado (o que estiver a acontecer na altura) e um livro, claro. Mas hoje, não levo nada.
O surfista-motorista está provavelmente em Blumenau, pelo que terá uma hora de viagem até chegar ao oceano. Eu rumo ao Guincho, pelo que a viagem será mais rápida e, espera-se, menos tormentosa.
O melhor é não dar boleia, ou carona, não vá acabar na História como aquelas pessoas que nascem e morrem no mesmo dia. Nesta história podemos apenas antever os possíveis finais e os indícios não auguram nada de bom. Pelo menos para a Capuchinho.
Mas não sei se sou a Capuchinho ou o mergulhador, o herói ou o crocodilo, o polícia ou o ladrão, o lobo ou o músico. Talvez seja mesmo o surfista, que interrompe a sua viagem mil vezes e que vai passando de animado, para muito animado, até ficar intrigado, preocupado, chateado, apertado e muito irritado: uma belíssima metáfora da vida, em dois ou três quilómetros.
Rodeada de livros, um sobre o cérebro adolescente (porque me bombardeia de todos os lados),
outro sobre a doença (porque me faz tropeçar a toda a hora) e uma belíssima ficção (porque preciso dela como pão para a boca), continua a ser com estes álbuns ilustrados que respiro a vida em cada dia e que, tal como a família e os amigos,
me ensinam a viver melhor.
Quem quer uma carona?
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Fábula, 2022
Guilherme Karsten
isbn 9789895648900
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