A fase dos carrinhos é demorada e muitíssimo engraçada.
Risca pavimentos, parte cabeças, faz barulho em sítios impossíveis, mas é uma brincadeira que os entretinha horas sem fim.
Filas de carros, coleções de carros, viagens de carros, corridas de carros, marcas de carros, matrículas de carros, sequências nas matrículas de carros, somar 100 nas matrículas de carros, contar carros amarelos, contar autocaravanas nas férias de verão.
Algumas destas brincadeiras ainda permanecem ou reaparecem. Mas a fase é mais o B andar a tratar da papelada para tirar a carta de condução. De um carro a sério.
Com um bólide altamente onomatopeico, fazemos uma viagem sonora por paisagens mais ou menos abstratas até percebemos que estivemos às voltas num jardim e que aterrámos no prato do jantar.
Pudessem todas as viagens ser tão atribuladamente divertidas.
Penso nas famílias e nos desconhecidos que se juntam dentro dos mais diferentes bólides, por essa Europa fora, a atravessarem fronteiras e paisagens mais ou menos abstratas, onde as novas línguas não soam a mais que longuíssimas onomatopeias.
Penso que há uma semana fiz uma viagem na Europa e voltei a casa, enquanto outros saem sem saber quando, como e para onde vão poder voltar.
As crianças pequenas gostam de barulhos. Quanto mais estranhos, melhor. Gostam de os fazer e de os ouvir.
Foi o meu irmão que me ofereceu este livrinho (francês com ares de japonês) no Natal e ainda não o li alto a ninguém — um livro claramente para ser lido em voz alta.
Tento listar todos os livros que dão para ler a quem não percebe português. Porque imagino que tenhamos de vir, muito em breve, a contar histórias a meninos para quem o português soará apenas a uma ininterrupta onomatopeia.
Penso nos livros como bens essenciais, nas ilustrações como língua franca e nas histórias como salvação.
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L'Articho, 2018
Charline Collette
isbn 978249001530
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