Se há livros difíceis, este candidata-se aos Óscares.
Nem consigo imaginar o que foi traduzir isto. Só mesmo o Vladimiro — corajoso editora da Ponto de Fuga e da Pim! — para embarcar em mais esta empreitada.
Pegar numa pequena loucura de Margaret Atwood (a senhora que se segue à também bastante louca e inovadora Gertrude Stein, de quem a Ponto de Fuga começou por editar o estranhérrimo O mundo é redondo) não é para todos.
Paraíso para as professoras de Português, estes quatro contos consonantes são integralmente escritos em aliteração.
Além disto, e decorrente do esforço hercúleo em manter esta infernal característica, o vocabulário torna-se riquíssimo, porque, imagino que para respeitar o sentido da narrativa, Vladimiro tenha mergulhado nas profundezas dos dicionários, até aos sus lugares mais recônditos, para encontrar sinónimos adequados.
Os miúdos cá de casa não achavam grande graça aos livros de histórias que se iam repetindo, "engrossando" frases até ao final, tipo lenga-lenga. Ficavam irritados do tipo "já-percebi-mas-podemos-agora-passar-à-ideia-?" — sem terem qualquer prazer em percorrer o caminho da construção até ao final.
Estes contos são para mais crescidos, mas também dão a sua dose de cócegas na barriga. Quando entramos nas histórias, pequenas aventuras algo inusitadas, instala-se um sentimento de estranheza.
Até que percebemos que estamos espartilhados numa rede de letras e sons reduzidíssimos — e que isso tem consequências na própria história. E, se por um lado queremos ver até onde a brincadeira aguenta, por outro temos de arranjar coragem para continuar. Senão vejam:
Um pequena pérola, portanto, emparelhada com ilustrações insólitas à altura — em estranheza e em requinte —, do Sebastião Peixoto que nos vai dando respirações para termos fôlego para prosseguirmos o nosso percurso penoso e precioso até ao pico.
Ups, aliterei...
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Ponto de Fuga, 2021
Margaret Atwood (tradução Vladimiro Nunes)
isbn 9789898881373
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