A única coisa que coleciono são coisas que os meus miúdos dizem. Roubei a ideia há muitos anos de uma excelente designer e blogger, com quem muito aprendi. Arrebanho um papel qualquer que tenho à mão na altura e lá vai para dentro do frasco com alguma coisa que disseram e de que não me quero esquecer.
Também coleciono pedras.
Todos colecionamos memórias.
Leopoldo coleciona tudo.
Depois conhece Clementina e coleciona com ela. Coisas e memórias. Mas Clementina parte.
Leopoldo, os seus frasquinhos e a partida de Clementina, lembram-me, inevitavelmente, os milhões de pessoas que estão agora em movimento e que partem sem nada nas mãos, não sabem bem para onde.
A página vazia com o frasco vazio, o cinzento da destruição.
A vida não cabe dentro de um frasco.
Estes "milhões de pessoas" começam já a concretizar-se em pessoas de carne e osso perto de nós. Com vidas presas em frascos e muitas Clementinas longe de tantos Leopoldos.
Leopoldo envia um frasco de estrelas cadentes a Clementina. Clementina envia de volta todas as coisas novas da sua nova cidade a Leopoldo.
Os dois continuam ligados por esta poética correspondência.
A vida continua, num ciclo. O outono volta a acontecer. Max, um futuro-novo-amigo aparece por entre as bétulas que, mais uma vez deixam cair folhas douradas.
Possamos ser Maxes para todas estas Clementinas que chegam agora ao nosso país, onde a única coisa que rebenta é a primavera. E que rapidamente possam voltar aos Leopoldos e às suas casas de paredes cobertas de tesouros
— nem que sejam já só memórias.
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Fábula, 2022
Deborah Marcero
isbn 9789895648870
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