Os livros da Akiara têm sempre um guia para leitura. O R diz que este é "pensativo"...
O caminho faz-se caminhando, já se sabe, mas para isso é preciso caminhar. E muitas vezes dá-nos a preguiça ou a falta de forças.
Neste O caminho, por entre as ilustrações felizes da Yara, reencontrei o termo peripatético que não ouvia há mil anos. Sinto-me mais vezes patética que peripatética. Principalmente em janeiro. E "ir dar um giro" resolve mesmo muita coisa.
Há dias em que só pomos um pé à frente do outro e avançamos. Porque é assim que somos feitos; mesmo quando andamos mais por baixo, parecemos programados para andar sempre para a frente.
Temos a ideia do tempo em ciclos — e por isso nos parece muitas vezes circular — mas a verdade é que o tempo continua sempre para a frente. Só que quase nunca em linha reta.
Em crianças, o tempo está mais ou menos contido nas rotinas interrompidas pelas férias: rotina do dia de semana, interrupção do fim-de-semana — férias! — e aí vamos nós outra vez. Por isso, há um caminho mais ou menos a direito, com algumas paragens para abastecimento.
Em adultos, algumas rotinas mantém-se (ou regressam em força, se temos filhos), mas o caminho deixa de ser tão direitinho. Talvez nunca tenha sido, mas a consciência que passamos a ter dele, faz-nos ver curvas e contracurvas, buracos e lombas, cruzamentos e entroncamentos e, muitas vezes, rouba-nos o olhar ao horizonte.
Quando os miúdos crescem, o caminho que era um, o da família, começa a multiplicar-se; há ramificações por todos os lados e isso tem tanto de bonito, quanto de assustador.
É como se a casa permanecesse no mesmo lugar do mapa, mas como se agora, a partir da soleira da porta, rompessem centenas de ruas-veias. Milhares de possibilidades e de acontecimentos simultâneos, com diferentes corações a pulsar por caminhos estreitos, largos, difíceis, agradáveis, desconhecidos. Tudo ao mesmo tempo.
Apontamos direções, alertamos perigos, atiramos sugestões. Mas, depois, aí vão eles.
Neste livro, o caminho faz-se devagar, mas sempre em movimento. É um movimento acompanhado de perguntas e pistas de resposta, para que não nos percamos. Sempre com a noção de que não há ninguém que possa andar por nós, mas também de que, sem os outros, não vamos longe.
Afinal, somos todos peripatéticos, porque não há outra maneira de aprender: em movimento e em diálogo.
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Akiara, 2018
Mario Satz texto, Yara Kono ilustrações
isbn 9788417440275
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