Qual é o lugar da imaginação?
Dentro do corpo? Na cabeça, no coração, nas mãos?
Ou fora dele, quando desligamos cabeça, coração e mãos e olhamos para uma parede em branco? Ou quando nos pomos a mexer?
Como inventamos? Como criamos? De onde vêm as ideias?
Ao tropeçar numa fotografia de um cientista sério a brincar, Isabel Minhós Martins pôs-se a escavar.
A mina que construiu com as suas escavações não foi exatamente da matéria preciosa de que estava à espera. A matéria da imaginação e da criatividade é invisível até que se torna visível — ou audível ou palpável ou tudo ao mesmo tempo. O processo, esse, é secreto e complexo e muitíssimo interessante.
À medida que lia este livro pensava na coragem que a Isabel tinha tido para se abalançar neste livro. Mas depois lembrei-me do lugar da Planeta Tangerina, com o seu tempo próprio; e de como, estando criados o tempo e o espaço para as coisas puderem acontecer, elas acontecem mesmo.
Há uns tempos fui almoçar ao quintal da Planeta Tangerina. É como entrar num livro. É um quintal de família onde as árvores e os arbustos crescem à vontade e, nas suas clareiras, mexem-se os humanos — e não o contrário. Onde o tempo e o espaço parecem um pouco de outro planeta. Ah.
Imaginação e criatividade andam de braço dado, tal como inspiração e trabalho. Não vivem uma sem a outra, confundem-se, fundem-se, explodem num só bang.
Nestas suas escavações, Isabel também andou à procura da ligação entre a ciência e a arte, a brincadeira e a criação, o prazer e o trabalho. Assuntos sérios, difíceis, curiosos, deslumbrantes.
No caminho recolheu muitas imagens (que não estão no livro) mas que, se têm alguma coisa a ver com a que a fez começar este livro, dariam com certeza uma ótima caderneta de cromos. Eu faria a coleção.
A Madalena, que o ilustrou, trabalhou sobre um esqueleto de livro que a Isabel diz nunca ter sido "tão difícil de criar". Usou imagens para pensar, para perceber, para brincar. Embora sempre com a economia de cores que a caracteriza, não poupou nas tipologias: usou ilustrações abstratas, figurativas, esquemas e colagens. Percebo bem — para dar corpo a este esqueleto eram mesmo preciso coisas diferentes como músculos, veias, pele e cabelos.
Já o encontrei na secção infantil, mas — desenganem-se.
Comecei por fazer leitura em turnos com o R (10): ele lia até à hora de desligar a luz e depois lá ia eu roubar-lhe o livro à mesa de cabeceira. Mas rapidamente percebi que era demasiado puxado para ele e já o sugeri ao T (14) e ao B (17). Aliás, num dos capítulos onde há gente a fazer perguntas seguidas de tentativas de respostas, essa gente é toda adolescente.
Até no modo como aborda o tema escola e sistema de ensino, são esses sapatos (ténis, vá) que a Isabel enfia. E se há assunto que anda na ordem do dia por aqui...
Como ver coisas invisíveis é um manual de perguntas e respostas e, ao mesmo tempo, um manual de instruções e um livro de História e de histórias. Todos sabem que o essencial é invisível aos olhos, mas todos o querem ver. E este livro é como uma fresta que nos ajuda a espreitar para dentro desse lugar — imaginação — que anda aí, espalhado pelo mundo.
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Como ver coisas invisíveis - Observações. experiências e perguntas de artistas, cientistas e outras pessoas com imaginação
Planeta Tangerina, 2021
Isabel Minhós Martins texto, Madalena Matoso ilustração
isbn 9789899061033
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