Todos precisamos de uma mudança, de vez em quando. E isso é bom. Mas, por vezes, alguns são forçados a mudar. E isso, nem sempre é bom.
Por razões mais felizes ou mais tristes, mais radicais ou mais dramáticas, mais imediatas ou há muito adiadas, mudamos.
Se houve um tempo em que não ligava as notícias na televisão enquanto os miúdos estavam acordados, as coisas mudaram. O R vai fazer 11 anos e cada vez mais está interessado no mundo, na política, nas questões difíceis. E é bom que assim seja.
O R não tem telemóvel, embora vá usando o do pai para se inteirar das notícias desportivas. Para as outras, pergunta-me às vezes se podemos ver o telejornal. Por isso, em alguns dias, às sete da tarde, sentamo-nos os dois a ver o resumo do dia. Os mais velhos já estão a par por outras vias, de modo que, muitas vezes, ao jantar, continuamos a debater o mundo.
Este Mudar de Ana Ventura, mais um extraordinário livro da coleção Imagens que contam da Pato Lógico, desenha uma história de mudança, sem palavras.
No seu traço inconfundível, uma espécie de Lourdes de Castro que migrou da tesoura para o digital, Ana trata as sombras, ou as silhuetas, com a perícia e delicadeza de uma feiticeira. A filigrana do seu desenho parece trazer ao de cima a fragilidade de toda a situação, em que acompanhamos o homem que muda do lugar amarelo para o lugar azul.
Não sabemos porque muda, mas no lugar azul o mundo acontece a muitas cores. E, devagar, tal como a sua casa despida se vai vestindo de pequenos objetos, também no interior do homem podemos ver a vida a crescer.
Em todas as duplas páginas deste livro há plantas. As plantas da Ana, as plantas como esplendor de vida e de desenho. Eu, que só há dois anos comecei a ter plantas e a cuidar delas, bem me revejo nesta paixão pela beleza e força destes seres que connosco habitam a Terra.
Também a Ana mudou de país e as pessoas e os lugares que agora habita aparecem retratados neste livro de silhuetas enganadoramente planas: não há nada de bidimensional, neste mundo, não. Nas cores sólidas e no recorte cuidadíssimo de cada figura, a vida vai acontecendo em todas as suas camadas. A solidão, a incerteza, a procura, a espera, a iniciativa, o trabalho, o encontro, o amor, a amizade, a festa, a família.
Há muitos sons e música que se misturam neste teatro de sombras. E também há o silêncio desta história que não conseguimos desligar das imagens que vemos na televisão, na esperança de que, para cada uma daquelas vidas, possa haver uma história tão bela quanto esta.
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Pato Lógico, 2021
Ana Ventura
isbn 9789899965836
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