A tartaruga desapareceu.
A Jotta, de cognome Shifu, que me fazia corar de vergonha com o seu Virabhadra (warrior three ou guerreiro três, para leigos como eu) perfeito, evaporou.
Tinha o hábito de se escapulir, de vez em quando, da sua taça quando apanhava as pedras mais a jeito.
Um dia, estando num canto soalheiro numa soleira de porta na quinta, desapareceu.
O R teve vários dias de desgosto e noites de desespero. Na verdade a tartaruga era dele e cuidava dela há já muitos anos.
No meio da tristeza e da saudade, começou a falar de substitutos. Travei a coisa sublinhando a ideia do luto, mas pensando como era tão mais difícil isto, assim, desaparecer sem deixar rasto. Com certeza nem morreu e anda, divertida, entre as rãs e as libelinhas do Minho.
A listagem de substitutos era encabeçada por uma iguana e suspeito que permaneça ainda no topo da lista de presentes de anos que está a fazer há já um tempo. Faz anos em dezembro. E bem pode esperar também pela iguana.
Neste livro algo apareceu.
Uma laranja, diria eu, mas começo a duvidar dos meus olhos, porque o livro se chama A bola vermelha. Aliás, julgo que a própria personagem humana desta história partilha das minhas suspeitas, já que carrega um enorme cesto de frutas sobre a cabeça.
Achei que tinha nas mãos um livro silencioso, mas afinal é até bastante ruidoso, cheio de interjeições.
Só o humano vocaliza. De resto, é o livro de animais mais silencioso que conheço, onde até os pássaros e os porcos estão de bico calado.
Acompanhamos a busca do homem pela identidade do ser que lhe veio parar às mãos, tal como também nós andámos, família inteira, de rabo alçado entre arbustos e pedras, flores e móveis, sem saber se procurar dentro ou fora, procurando por todo o lado.
Tal como o homem, também nós, de repente, nos entusiasmámos com a parecença com uma pedra ou uma folha, com um nó da madeira do soalho ou um brinquedo perdido debaixo do sofá. Em vão.
Como no famoso Balãozinho vermelho, o desenho dá vida à nossa laranja primordial e eis que o-bom-filho-à-casa-torna, não sem a ajuda de mãos humanas.
Como quem não quer coisa, hei-de deixar este livro à cabeceira do R. A ver se se contenta com um peixinho vermelho...
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Orfeu Negro, 2021
Vanina Strkoff
isbn 9789899071100
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