Há vários livros em que me acontece pensar que chegaram no momento certo. Infelizmente, do Migrantes, não me atrevo a dizer tal coisa. A coincidência de ter entrado pela porta dentro em conjunto com algumas notícias, poderia ter ocorrido ocorrido num outro dia qualquer, pois essas notícias são demasiado frequentes.
Este é o segundo álbum que a Orfeu Negro edita sobre migração. O último foi há 11 anos e o tema continua demasiado presente e demasiado igual.
Ambos são álbuns sem palavras talvez porque seja tão difícil falar sobre isto. Perante tanta dor e injustiça, que dizer? Ambos são silent books nada silenciosos.
É um álbum infantil e o assunto não é tratado de maneira crua. Não conseguimos sentir cheiros, nem tratar feridas, mas damos de caras com a morte.
Vemos o desconsolo do burro que tentou em vão salvar a sua companheira.
Vemos o olhar vazio dos animais perante a silenciosa pergunta da Morte: posso acompanhar-vos?
Vemos a íbis azul, ave que simboliza sabedoria e razão e que acompanha a Morte, mas que parece tão consternada quanto ela com a morte da lebre.
A beleza e delicadeza das ilustrações mostra com muito realismo várias situações do quotidiano de um conjunto de migrantes. E é o facto de todas as personagens serem animais, desenhados de forma pormenorizada e realista, que ajuda a ver esta viagem como uma viagem real e não do reino da fantasia, do tempo em que os animais falavam. Estes animais não falam.
O tempo em que os animais falavam é o tempo da infância, da inocência, do sonho e das múltiplas possibilidades. Neste livro os animais estão mudos. Perdidos estão os sonhos, a infância, a inocência e as múltiplas possibilidades.
Mas, ainda que até o manto da morte tenha perdido as suas cores vibrantes, é um dos animais mais pequenos que nos dá a ver a força radiosa da chegada a um lugar onde as árvores estão novamente me flor.
Em Lisboa, os jacarandás começam agora a encandear quem passa com a sua luz inconfundível. Possa Portugal ser realmente um lugar de árvores em flor em que a frase Quanto tem de se pagar para trabalhar? que lemos no jornal, seja só uma pergunta sem sentido.
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Orfeu Negro, 2021
Issa Watanabe
isbn 9789898868978
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