Há avós que já faltam há muito, uns que começam a faltar e outros que vão faltando, devagarinho.
Um avô, tal como uma avó, é uma riqueza infinita e insubstituível.
Perdi o meu primeiro avô aos quatro anos e tenho memórias vívidas dele e das coisas que fazia com ele, quando nos visitava.
Todos os dias revejo a minha avó no sorriso malandro do R.
Em vão tento imitar a banda que o meu outro avô compunha com os dedos a baterem no queixo e que me deslumbrava e, quando tenho convidados e penduro a toalha de mão com a renda feita pela minha avó, vejo-a ainda ali sentada, a dar ao dedo, com a pressa de quem tem ainda muito para fazer.
Nada substitui os avós, mas as memórias que nos deixam são das mais fortes que pode haver.
A construção de memórias acontece sem que demos conta da obra em curso. Mas a sua arquitetura perdura vida fora com um edifício bem desenhado.
O corpo está também, ele próprio bem desenhado porque quando a memória se perde é a dos avós; e claro que isso custa muito a digerir e a aceitar, mas, se fossem os netos a sofrer essa perda, isso, sim, seria intolerável.
Os avós têm o bem mais precioso: tempo — e os netos, mesmo que não o saibam, sentem-no. E é muito na partilha desse tempo sem relógios que as memórias se constroem.
Na minha permanente aprendizagem do nada-fazer penso muitas vezes que tenho de me apressar (até nisto sou apressada...) a aprender a lentidão, antes que chegue o tempo de ser avó.
Ser tia é um bom treino, mas não é a mesma coisa.
Espero ter tempo e estar à altura de me preparar para o papel.
E que os meus netos me lembrem para lá do tempo, como eu me lembro dos meus avós.
A eternidade será, pelo menos, um bocadinho isso, não?
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Fábula, 2021
Joseph Coelho texto, Allison Colpoys ilustração
isbn 9789896689919
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