Um dia destes participei num concurso das stories instagram para tentar adivinhar o título deste livro.
Em geral gosto de ver o lado bom das coisas e, nas imagens que a editora partilhou, achei que as cores que exalavam da boca das personagens corresponderiam a chamamentos, cânticos, clamores, conversas — o combustível da voz. E arrisquei: Voz.
Mas a voz é também o primeiro veículo do desentendimento, da Discórdia, e esse é que é o título vencedor.
Nesta narrativa sem palavras acompanhamos o desenrolar de uma altercação que começa logo nas guardas e na página de rosto e que ganha proporções épicas. A fazer lembrar o porco do Capital, também esta monstruosa Discórida, acaba por engolir tudo e todos. Até a criança, o cão e as pedras, que estavam ali só porque sim, acabam na infinitude negra da polarização.
Discordar é normal e necessário. Quem tem ou teve miúdos na primeira, segunda ou terceira adolescência (eu sei, começa cedo e é interminável...), sabe que o confronto de opiniões faz parte e é até bom que comece em casa onde os muros são mais macios.
Mas as cores destas vozes que alimentam a discórdia não enganam ninguém. Achei que podia estar ainda influenciada pelas eleições americanas, mas acontece que a autora, brasileira, viveu nos EUA e passou também pelos estados Bolsonaro&Brexit. Aqui, as cores são política.
Nani desenha com igual força e delicadeza, os ingredientes fundamentais de uma boa discussão.
Azul com vermelho dá roxo, mas apenas se as cores tiverem a mesma base de confiança e entendimento (água ou óleo), senão não há mistura possível.
No lugar da discórida, o mundo é a preto-e-branco e todos parecem perdidos.
Mas o ser humano é poderoso e criativo e por isso há finalmente alguém que tem uma ideia para que todos possam sair de dentro do monstro cinzentão do desentendimento, para o mundo onde podem coexistir todas as cores.
O homem da camisa às pintas, percebe que também tem uma voz e que essa voz pode servir para construir caminhos de paz e concórdia.
O desenho e a música misturam-se e a comunidade, em coro, viaja no balão de ar quente da concórdia.
No final continua a haver vozes vermelhas e outras azuis, na mesma, mas há outras em que convivem as duas cores. E caminham para fora do livro, em direção ao mundo.
Haja esperança.
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Pato Lógico, 2021
Nani Brunini
isbn 9789895473823
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