Há aquela velha graçola partilhada entre pais: "Este miúdo não tem um botão de off?"
As crianças não são programáveis, não têm botão para ligar e desligar, para adormecer e acordar, para comer mais depressa ou mais devagar. Um botão de volume para falarem mais baixo, um alarme para se lembrarem sempre daquilo que para nós é óbvio e demasiado recorrente.
Quanto mais pequenos pior, dizem. E é verdade. A previsibilidade do curso do dia é totalmente aniquilada pela presença de um bebé. Durante anos tentei enganar-me achando que existia um botão para a sesta. Quantas horas me degladiei com eles para que dormissem, porque tinha programado fazer outras coisas durante aquelas horas. Mas era exatamente esse o dia que tinham escolhido para não terem sono, para terem todo o "power on". Mas, mais velhos não é assim tão diferente.
O Miguel dos Botões tem botões que ativam várias ações, mas isso não é garante de que as coisas corram sempre bem. É que os botões também se estragam, o comando desaparece misteriosamente ou alguém carrega no botão errado e a vida não corre como previsto.
Miguel é o mais novo da família e é ele o único na família com botões. Os botões parecem pedras preciosas ou bocadinhos de gelatina e servem para um sem número de coisas. É a mãe quem normalmente pressiona os botões.
Agora, mais que nunca, dava-nos jeito que os miúdos os tivessem. Porque, mesmo os mais velhos, por mais impecáveis que sejam, encontram sempre um motivo para precisar imenso da nossa ajuda ou contar a coisa mais extraordinária ou fazer a pergunta mais importante quando acabámos de entrar em reunião ou tirámos 20 minutos do dia para o yoga.
Nesta altura em que andamos vinte e quatro sobre vinte e quatro uns por cima dos outros, suspeito que a necessidade de botões seja sentida por todos. E aposto que também os miúdos desejam que os adultos tivessem pelo menos um botão: um botão para nos calarmos.
Para dizermos menos vezes que isto está desarrumado, que aquilo está por fazer, que não é hora disto, que é hora daquilo, que os cotovelos não são ali, que a mãos são acoli, que a cabeça está acolá.
Como pais estamos permanentemente em "power on", quando, normalmente, durante o dia dos miúdos há naturalmente outras pessoas a pressionarem-lhes os botões.
Já usei aqui a expressão de que gosto muito it takes a village to raise a child. Gosto muito e já a usei porque me parece muitíssimo verdadeira. E nesta altura, em que a casa é o mundo, este mundo parece muitas vezes demasiado pequeno para os miúdos crescerem com os pais permanentemente e em exclusivo a pressionarem-lhes os botões!
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Miguel dos Botões
Araucária Edições, 2020
Blanca Martín-Calero texto, Matilde Horta ilustrações
isbn 9789895491407
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