E aí vamos nós outra vez: tudo em casa, tudo junto, mas cada um em seu lugar virtual.
Um silêncio estranho na casa. Suspiros, frases desconexas.
Tenho miúdos concentrados e, mesmo com dois adolescentes rapazes em casa, relativamente calmos. De modo que este caos de quatro pessoas em aulas diferentes numa mesma casa, se vai gerindo sem grandes problemas.
Para os professores as aulas são tristonhas. Arrependemo-nos de todas as vezes que dissemos não falem todos ao mesmo tempo, não se percebe nada. Porque se percebe: pela presença dos corpos toma-se sempre o pulso à turma, ao miúdo que está noutra, à miúda que está mal, ao grupo que não funciona.
O silêncio dos microfones desligados é um silêncio pesado e terrivelmente vazio. Tenho a sorte de os poder pôr a desenhar e desenhar com eles. E, nessa ação conjunta, nos sentirmos mais verdadeiramente ligados.
Mas imagino todos os sonhadores Semion Pantalíkines e os pequenos lobos deste mundo, perdidos no reino da Matemática e de outras matérias que, de repente, se tornam ainda mais estéreis para as suas cabeças no ar, neste volátil contexto virtual.
É a pensar neles que hoje emparelho aqui estes dois livros "didáticos".
Semion perde-se numa magnífica história que inventa para tentar dar sentido ao problema que o professor lhe propõe, demasiado abstrato para o seu entendimento.
E em pouco tempo: Semion tem vinte minutos para resolver a charada. E que charada sem graça.
Porquê "ponto A e B" quando se pode chamar belos nomes aos lugares? Porquê "primeiro" e "segundo" camponeses? Não poderão estas criaturas ter um belíssimo nome? E que aventuras terão pelo caminho? Porque é que não vão os dois juntos? É tão mais divertido viajar acompanhado. Por que razão andará um mais devagar que outro? Com certeza está magoado... E porquê? Enfim. Simion transforma o problema sem graça numa emocionante aventura que vive durante vinte minutos.
E claro que está que o pobre Semion, que além de fantasioso é dado a melodramas, acaba a história (e os vinte minutos sem o problema resolvido) a dizer a sua "frase fúnebre": É o meu fim!...
Um sátira entre folhas quadriculadas que João Fazenda pinta com a mesma liberdade com que Simion sonha.
Já este lobo que não gosta de matemática, atravessa uma história de (en)contar esfomeado e pronto a tornar-se vegetariano: as suas competências matemáticas andam pelas ruas da amargura e os seus rivais habituais ludibriam-no com calculada mestria.
Por lá andam o capuchinho vermelho, os três porquinhos e os sete cabritinhos, entre cinco ovelhas e dois bois. Mas não perdem pela demora. O lobo pode ser inapto a matemática, mas a necessidade aguça o engenho, pelo que o felino lá se põe a estudar e — atentem — até dez ele já sabe contar.
E em rima, porque a literatura também sabe contar. E esta história (literalmente) bem contada, conta com as ilustrações do Jaime Ferraz que,
diz quem sabe,
nestas coisas é um Ás!
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Bruaá, 2020
Arkádi Avertchenko texto, João Fazenda ilustrações
isbn 9789898166456
Fábula, 2020
Maria Francisca Macedo texto, Jaime Ferraz ilustrações
isbn 9789896232900
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