Quando Miyuki chegou aqui a casa no princípio do outono achei a escolha editorial estranha: porque não na primavera?
Mas a primavera não é feita de espera, o inverno é que é. Janeiro é sempre um mês duro e este está a ser particularmente difícil.
É um lugar comum dizer que a primavera precisa do inverno antes; mas também é comum essa espera custar-nos muito, todos os anos.
É claro que o inverno tem os seus encantos — para quem consegue manter-se quente e para quem, como nós, tem tido a graça deste sol brilhante que tão bem mostra a transparência do ar que só conseguimos apreciar nesta altura.
Esperar é difícil e absolutamente essencial. E é por isso que este livro é perfeito para o inverno.
O tempo é muito abstrato e totalmente concreto.
Não sou muito boa com o tempo: sou bastante organizada, mas há momentos que não o sinto mesmo passar, de modo que sou constantemente surpreendida pelas suas ultrapassagens e meus consequentes atrasos.
Miyuki não gosta de esperar. Na sua cegueira de querer que a última flor do jardim desabroche a tempo da primeira manhã de primavera, perde-se, perde a manhã e não vê a solução para o seu problema, logo ali ao seu lado. Problema que afinal não era problema nenhum.
Alguém me disse recentemente para verificar constantemente se estou realmente onde acho que devo estar, na altura em que devo estar. É um ensinamento simples e muito eficaz, como são os dos sábios. Tenho tendência em pôr tudo e todos a mexer, a começar por mim, e invariavelmente o dia passa sem que o tenha de facto vivido em plenitude.
De tanto correr Miyuki esfola o joelho e perde a água que com tanto esforço e energia tinha conseguido juntar. O pão nosso de cada dia, pois.
Miyuki leva-me de volta ao Japão, mata-me saudades das visitas à papelarias com os seus papéis maravilhosos, os seus carimbos tentadores, as suas flores de concurso, os seus jardins de outro mundo. E, no conjunto do branco de neve das páginas com as linhas suaves das ilustrações, garante-me que há um tempo para tudo. É só preciso saber esperar e, como diz o sábio rio, "às vezes é melhor ir devagar".
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Orfeu Negro, 2020
Roxane Marie Galliez texto, Seng Soun Ratanavanh ilustração
isbn 9789898868916
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