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18.6.20

Jaime é feliz

Quando alguma coisa de fundamental é atingida, ao lado, outras são afetadas. Há uma espécie de reação em cadeia que não é possível conter.

A luta anti-racista que eclodiu e se espalhou tão rapidamente quanto o vírus, despertou em todos uma vontade de fazer mais e melhor. Além disso, colateralmente trouxe a atenção para outro tipo de discriminações tão insidiosas e letais como o próprio vírus e que já cá andam há muito mais tempo.
Fora os excessos dos fanatismos e dos vândalos, observo, nesta revolução, uma nova e ativa vontade de ser mais. Já não basta dizer que somos contra o racismo, queremos ser de ativamente anti-racistas. Os países e as culturas são diferentes e as sensibilidades também, mas o dever da educação para a igualdade na diversidade é, parece-me, universal. Mais ainda: é urgente, hoje, ser mais que anti-descriminação; temos, parece-me, de trabalhar ativamente na educação para a aceitação e para a descoberta do potencial valor que existe na diferença. 
Não sei se será (só) essa a razão, mas, nas casas que conheço, onde há irmãs e irmãos, as brincadeiras do faz-de-conta são mais usuais que na nossa. E, em geral, nas casas onde há os dois sexos, as brincadeiras são mais ecléticas. Além disto, observo que o lugar na família dos diferentes sexos dos irmãos parece ser determinante na linha de brincadeiras da casa.
Nenhum dos três rapazes desta casa gosta ou gostava particularmente de se mascarar. Sempre se mascararam no Carnaval, entusiasmados por mim e contagiados pela quadra, mas a arca da minha mãe, cheia de possibilidades, nunca lhes suscitou grande interesse. E, embora sempre tenhamos feito com eles espontâneas danças-pós-jantar em família que tão bem fazem à alma e ao corpo, o B não gosta de dançar, oT gosta bastante e o R tem dias.
Os meus rapazes são bastante cerebrais, intelectuais, talvez. Não sendo extremamente físicos, sempre alinharam em explorações e em faz-de-conta ativos e brincalhões, normalmente em contexto de rua. E fizeram papinhas de lama e de areia, mas o prazer aí sempre foi o de manusear instrumentos e matérias, mais do que o do "faz-de-conta que vou dar a papinha ao bebé". Há e havia bonecos, mas nunca nenhum deles os embalou ou pôs a dormir a sesta, como vejo as minhas sobrinhas fazerem. Mas tudo isto são estes três rapazes.
O Jaime é uma sereia mostra-nos um menino que passa o dia (vive com?) a sua avó. Ele é fascinado por sereias, por se mascarar e se enfeitar, por dançar. A avó olha e pouco diz. Muitas vezes não é preciso dizer muito, é só preciso fazer um pouco.
Arrisco dizer que este livro poderia ser um silent book: as ilustrações (oh, as ilustrações, que beleza!...) dizem tudo e, as poucas palavras da avó, dão espaço às suas ações.
Nesta povoação costeira há um baile de máscaras na praia. Todos são sereias, peixes, anémonas, polvos. Cada um é o que bem lhe apetece. A avó e o Jaime juntam-se à trupe.
Pode ser uma marcha LGBT? Talvez. Ou talvez não. A lição da avó é de atenção, delicadeza de sentimentos, procura do outro e tolerância.  E não é tão bonita?
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O Jaime é uma sereia
Fábula, 2020
Jessica Love
isbn 9789896686857



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