Faz anos o meu irmão. Fez ontem.
Hoje em dia somos da mesma idade e a nossa diferença de anos e de sexo fez com que nunca tivesse havido brigas ou ciumeira.
Sou a mais nova, ao contrário do par deste livro, contado em duas primeiras pessoas. Uma de um lado, outra do outro, de pernas para o ar.
Nunca me senti um peso para ele, mesmo quando tomava conta de mim, nem nunca o achei um chato. Não me lembro de o ouvir comentar o irritante que devo ter sido muitas vezes em miúda; e, já mais crescidos, era verdadeiramente corajoso e generoso em me deixar conduzir o carro, a caminho das nossas faculdades vizinhas, para eu poder praticar. Um verdadeiro mano-velho!
Na altura não sentia falta de mais irmãos, até porque vivia no andar de cima dos meus seis primos, por isso, nunca havia falta de companhia. Mas sempre pensei que uma família devia ter mais irmãos, apesar de sempre ter gostado do meu silêncio: o alvoroço do andar de baixo era divertidíssimo de visitar.
Achava que queria ter três filhos. A dada altura julguei que íamos ficar pelos dois e passei um verão inteiro a convencer-me das imensas vantagens que há em ter dois filhos. Pouco tempo depois achámos que podia vir mais um. É um lugar comum, eu sei, mas a verdade é que é mesmo impossível imaginar a vida sem mais este miúdo pequeno.
Há quem queira mais irmãos, há quem esteja bem assim. A conversa é recorrente, embora eu alegue a minha avançada idade. Os primos servem muitas vezes para completar a tribo e estes miúdos têm, como eu tive, a sorte de ter bastantes por perto.
Com o tempo que passamos agora em casa e com as partilhas que têm de fazer a toda a hora, de espaço, de equipamentos, de atenção, os irmãos passam o tempo a virar as vidas uns dos outros de pernas para o ar. A velocidade a que passam da fúria à gargalhada é incompreensível, se nos regermos por padrões lógicos. Mas a lógica não tem nada a ver com a fraternidade. É de um amor incondicional, que se trata, sem nada igual:
a total ausência de filtros aliada a um conhecimento profundo — para lá do psicológico. É um não-aguentar-mais na mesma proporção de não-poder-viver-sem. Uma amizade profunda com raízes que vão para trás no tempo, para lá do interior de uma mesma barriga, até ao sonho de duas pessoas.
Hoje trago aqui mais um livro anti-vírus, um livro-jogo que se lê de um lado e do outro, mostrando os dois lados de uma mesma questão. Um questão de amor.
Um irmão é um belíssimo anti-vírus em qualquer ocasião e é por isso que aqui trago este livro hoje, para festejar o meu irmão e todos esses bebés que por aí andam, sonhados ou já criados, escondidos e silenciosos, quase prontos para conhecerem a luz deste mundo. Um mundo estranho e sempre surpreendente, que às vezes nos prega partidas demoradas, morosas e inimagináveis como esta que agora vivemos.
Haja um irmão (ou dois, ou três ou mais!) para nos valer e ajudar a passar por ela — na maior.
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Irmãos!
Jacarandá, 2019
Rocio Bonilla
isbn 9789898895479
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