Continuamos atrás da janela.
Como temos um pátio e a casa vive essencialmente voltada para lá, raramente vamos às janelas que dão para a rua.
Mas agora tem acontecido mais. Normalmente porque vamos bater palmas. Ou pendurar alguma coisa na porta da rua, para assinalar a ocasião.
Este sábado fizemos uns cravos de papel (com caules de ramos verdadeiros, já secos mas ainda verdes), e fomos pendurá-los lá fora. E voltámos a bater palmas. No dia seguinte, os cravos não estavam lá, à semelhança das duas coroas de Natal que me levaram durante o Advento, até conseguir que a terceira chegasse aos Reis. Quero acreditar mais em que fazemos coisas irresistíveis, do que em que haja muitos cleptomaníacos por aí. E, afinal de contas, os cravos são para dar a quem passa e não para ficarem presos a uma porta.
Em frente à nossa casa temos um edifício grande, alto, com muitos apartamentos, mas só nesta temporada conhecemos alguns dos nossos vizinhos. De fronte ao quarto dos meus miúdos vive uma bebé que vem brincar à varanda estreita nos dias de sol. Até há bem pouco tempo, tudo o que conhecia dela era a roupa a secar na corda. Lembro-me de ver há uns tempos as fraldas de pano enfileiradas e ter pensado que ali viviam uns pais corajosos.
Agora dizemos adeus, quando os nossos olhares se encontram, enquanto fechamos as portadas. Não sei como se chama a bebé, mas já a reconheci a passear num carrinho, empurrada, rua acima, pela mãe. Diria que vivem num 1º esquerdo.
No sábado vi uma vizinha que tem o cabelo cor de laranja-fogo. Tinha uma coluna virada para a rua que passava o Grândola Vila Morena em loop, alto e a bom som e dançava feliz. Acenámos-lhe da porta. Não sei como se chama, nem nunca a vi na rua. Diria que vive num 3º direito.
A vizinha do 1º esquerdo fuma à janela e tem um sorriso bonito, mas não faço ideia de quem vive no 1º direito — o nome de mais um dos #livrosantivirus que hoje vos trago aqui.
Não sei se há coincidências ou premonições, mas este livro saiu em fevereiro de 2020 e conta a história de uma menina presa em casa. Daí ser absolutamente irresistível trazer para a lista esta produção (quase) cinematográfica da Pato Lógico.
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Let's look at the trailler: uma miúda, Graça, está presa em casa, sem poder sair, pelo que se diverte com a série televisiva representada em cada uma das janelas dos seus vizinhos da frente. A certa altura imagina que o fulano do 1º direito deve estar a tramar alguma — afinal, desde que ocupou o apartamento, nunca saiu de casa. Graça acompanha a intriga da rua, dos vizinhos, do café da esquina, tudo da sua janela. Até que um dia, na frame do vizinho suspeito, entra a sua mãe. A série de entretenimento transforma-se num filem de suspense e ameaça vir a ser um filme de terror! TÃTÃTÃ-TÃÃÃÃ....
A lista de coisas boas que vêm destes tempos vai-se acumulando a par da sensação de que o tempo não estica, mesmo sem (praticamente) ir à rua. A vida continua a correr e, em cada janela, há mil histórias que davam um livro.
Esta já deu!
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1º Direito
Pato Lógico, 2020
Ricardo Henriques texto, Nicolau ilustraçõesisbn 9789895434411
Ricardo Henriques texto, Nicolau ilustraçõesisbn 9789895434411
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