As ofertas de ocupação do tempo são mais que muitas. Chegam por Whatsapp, por Instagram, por email. Concertos, filmes, livros, artigos, conferências, orações, vídeos, anedotas, conversa entre primos&tios, histórias, aulas de desenho.
Comecei a escrever este postal na segunda-feira e termino-o hoje, sexta-feira — e parece que passou um ano. Mas continuo a observar um enorme desequilíbrio entre gerações: uns têm dias compridos e sozinhos demais, outros são atropelados pela sucessão de acontecimentos e de gente que lhes passa (literalmente) por cima e que lhes engole o dia.
A geração dos avós está sozinha e sedenta de comunicação. Assoberbada pelas notícias e pelo tempo que poderá ter pela frente, assim.
A geração dos pais está em parafuso.
No meio do malabarismo entre manter a casa a funcionar (comida, limpeza, compras, ritmos), o trabalho que tem para fazer (com as tecnologias, grande parte do dia,
reféns da geração dos filhos que delas precisa também para agora poder estudar), o trabalho que tem para aprender a fazer (com as diferentes variantes de teletrabalho e as múltiplas apps para reuniões), o apoio aos filhos mais novos (seja para os ocupar ou para os ajudar a estudar), o apoio aos filhos mais velhos (para lhes conseguir dar espaço e orientação qb), o apoio aos pais (com telefonemas sobre tudo e sobre nada e ajuda nas compras), tenta manter a sanidade mental.
Sou muitíssimo organizada, em excesso, até. Criámos um horário para os
miúdos, com a participação de todos, que foi sendo revisto e adaptado à
realidade que fomos experimentando ao longo destas duas semanas. Mas estabelecer uma rotina — e
quebras na rotina — (vem em todos os livros), é absolutamente essencial
para o equilíbrio das crianças e adolescentes. E acho que para mim também, por isso foi a primeira coisa que fiz.
Miúdos organizados, sãos, ocupados, felizes — na segunda-feira; no fim da semana, uma ou outra insónia, antes coisa inédita.
Casa a
funcionar, limpa (sempre suja outra vez, mas enfim), ritmos, refeições.
Até aqui tudo bem. Mas onde está o tal tempo de que todos falam?
Antes deste bicho faltava-me tempo para os meus pais e era difícil combinar coisas com os amigos. Continuo com pouco tempo para os meus pais (porque agora eles precisam de mais ainda, mesmo que seja de longe) e nem ao telefone consigo matar saudades dos amigos porque andam todos numa roda viva. E o meu tempo — e tinha o luxo (vindo, em parte, do excesso de organização) de ter algum! — anda desaparecido em combate, literalmente.
E nem os que não são "os mais velhos" nem "os que têm filhos" parecem escapar a esta outra doença: também a eles o tempo parece escorrgar das mãos, como o sabão.
Este Um livro para todos os dias tem 15 anos, mas ao lê-lo agora, parece que foi feito para cada dia deste presente-futuro.
A vida é — e sempre foi — feita de equilíbrios instáveis, sempre a precisar de redesenhos constantes. E agora, mais que nunca, temos de saber aguentar o barco. Nunca foi fácil e não é agora que vai começar a ser.
Mas há-de haver uma altura em que nos conseguiremos reinventar e voltar a encontrar um tempo-espaço para cada coisa. Com a certeza de que melhores dias hão de vir por aí. Se virmos bem, eles até já começaram a aparecer!
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Um livro para todos os dias
Planeta Tangerina, 2004
Isabel Minhós Martin texto, Bernardo P. Carvalho ilustrações
isbn 9789898145406
Este livro... nesta altura.. faz tanto sentido <3
ResponderEliminarPois é! E assim se prova que um leitor também faz o livro...
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