Mudámos de casa há uns meses, para o bairro ao lado.
Voltamos muitas vezes ao "lugar onde fomos felizes", contrariando os conselhos do sábios.
Num desses passeios, T, 12, comentava como a paisagem do bairro tinha mudado em tão pouco tempo — a paisagem do bairro cá em baixo, à altura do chão; não a que víamos do alto do nosso 5º andar sobre a cidade.
A perceção do tempo e do espaço traduzida neste comentário pareceu-me estranha na idade dele. A primeira experiência deste tipo que costumamos ter é a de regressar à escola onde andámos, poucos anos depois, e descobrir como o recreio encolheu.
Mas, em poucos meses, e sendo que regressa ao antigo bairro semanalmente, T apercebeu-se de uma enorme alteração. E não é só ele: todos nos apercebemos disso porque, de facto, a alteração da paisagem urbana tem acelerado exponencialmente.
Nos últimos dois meses tenho pensado muito sobre património e paisagem. Pelo que tenho conversado, pelo que tenho lido. Descobri-me quase totalmente analfabeta em ambos e gostei muitíssimo de ler sobre estes dois assuntos tão presentes na minha vida, mas aos quais nunca tinha, verdadeiramente, dedicado um tempo para pensar.
Já trabalhei várias vezes a paisagem sonora e gosto de mostrar este documentário aos meus alunos, mas só fiquei com uma ideia mais completa do que pode ser a paisagem depois de ler este livro.
Gosto do modo como algumas páginas têm espaço em branco "a mais". Dá ideia que, mais que um livro, é um bloco de notas, um diário gráfico, que havemos de completar.
Chama-se "guia", tem um formato portátil e mistura factos, curiosidades, perguntas e desafios na dose certa. Maria Manuel Pedrosa, que conhecemos do Cá dentro, junta-se a Joana Estrela, que conhecemos do Mana e dA rainha do norte, constroem as páginas deste livro analógico que dá cara o museu digital coordenado por João Gomes de Abreu, que conhecemos dA ilha e dOs figos são para quem passa. Só podia correr bem.
Embora costume dizer que sou mais literária que científica, gosto de ter os assuntos arrumados e gosto que isso seja feito através de um caminho de descoberta.
Uso essa técnica em casa, com os miúdos, quando proponho que se altere algum modus operandi, mas também na escola, com os meus alunos, onde só ajudo a sistematizar depois de terem chegado eles a algum lugar. Todos sabem que só me aproximo quando já está qualquer coisa na folha para, a partir daí, sim, os ajudar a construir o próprio caminho.
Pegar neste guia dá vontade de sair. E não é preciso ser para longe. Se há livros que nos dão cócegas na barriga e nos põem a sonhar alto, este põe-nos a sonhar baixinho e a organizar saídas, aqui mesmo, no próprio bairro, já amanhã, a caminho da escola. Põe-nos de sentidos alerta para uma descoberta, sem precisarmos de muito. Uma espécie de "vá para fora, cá dentro" acessível a todos, mesmo àqueles que não têm a sorte de poder viajar para longe.
A paisagem é o que fazemos com os nossos olhos, nariz, ouvidos, cabeça. Paisagem é pegar numa moldura e agarrar o que lá está.
O que há neste lugar é um guia para criaturas inquietas ou para desinquietar criaturas. É um daqueles livros que hei-de aqui etiquetar em todas as idades: porque pode ser lido para, com ou a. Ou então lido mesmo só por um adulto, que contaminará o próximo passeio com uma criatura pequena, ensinando-a a desinquietar-se!
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O que há neste lugar?
Museu da Paisagem, 2019
Maria Manuel Pedrosa texto, Joana Estrela ilustrações
isbn 9789892092614
Amei o blo, vou indicar para os professores do colegio zona norte sp legal demais
ResponderEliminarObrigada, Helloiza!! Ando por aqui, à roda dos livros, há 10 anos, com muito prazer!! Seja bem vinda
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