Lembro-me de ser reivindicativa, em miúda. Era suave, mas tudo o que me cheirava a injustiça mexia a sério comigo e lembro-me de vociferar.
Agora que sou mãe de três rapazes, também bastante suaves, observo neles essa fúria de que me lembro perante as injustiças. Daqui concluo que o sentido de justiça está connosco desde cedo. O que há a fazer é preservá-lo.
Contei ao meu pai quais os livros que tinha escolhido para o pacote™ eleitoral e muito ele se riu com o meu resumo da Rainha das Rãs não pode molhar os pés. As fábulas têm esta característica: o seu poder, atravessa gerações.
Embora tenha um ar vintage, esta fábula foi criada há muito poucos anos e primeiro em português, pela mão da Bruaá.
Pegando num dos elementos característicos da fábula (usar os animais como protagonistas para através deles tirar uma lição para os humanos), Cali usa as pacatas rãs para nos falar de poder e da força do coletivo, da condição bastante absurda da monarquia, da possibilidade de, com inteligência e sem violência, se fazer uma revolução. E tudo isto narrando uma história sem o dedo em riste.
Gosto muito da forma desprendida e seca como escreve este autor; ainda não começou uma ideia e já acabou a ideia. Assim, logo no começo do livro: "Era uma vez um lago, e nesse lago havia rãs. Rãs que passavam os dias a fazer coisas de rãs".
Ocorre-me agora, enquanto transcrevo, que as gargalhadas do meu pai perante o meu relato não foram porque eu tivesse graça própria ao contá-la, mas sim porque a narrei à lá Cali, inspirada talvez por esta secura, que tanto lembra a forma como as crianças narram.
Quando inaugurei a Biblioteca do Público com nove fábulas contemporâneas para nove fábulas clássicas em junho do ano passado, associei, na altura, um provérbio a cada uma.
O que escolheria para este A rainha seria o "Pela boca morre o peixe." É que o engodo — não propriamente criado pela própria rainha — é desfeito pela necessidade de provar o que tinha sido dito pelo sábio conselheiro da rainha.
Não gosto muito de revelar histórias aqui no site; acabo por fazê-lo através das (magníficas) ilustrações que vou roubando aos livros. Por isso, aqui termino o furto e o meu discurso, no momento em que a rainha tem mesmo de saltar da folha mais alta para o lago.
Garanto-vos que irão encontrar este livro, aqui no blogue, sob a etiqueta boa história. É que é tão boa!
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A Rainha das Rãs não pode molhar os pés
Bruaá, 2012
David Cali texto, Marco Somà ilustrações
9799898166166
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