Por vezes não quero acreditar que livros óbvios não estão ainda nesta prateleira virtual. Vou à procura dos postais onde supostamente falei sobre eles e não existem, embora tenham sido lidos e relidos cá em casa.
Têm-me pedido para mostrar livros para mais pequenos. É verdade que à
medida que os miúdos aqui de casa crescem, a minha tendência natural é
também mostrar livros mais crescidos.
(A idade aconselhada para os livros é toda uma grande questão. Embora ponha o mesmo livro em várias idades, no
site encontram etiquetas por idade, o que pode ajudar a encontrar pequenas obras-primas que fizeram as delícias dos meus miúdos.)
O que hoje aqui deixo é um clássico de sempre, que contei em loop vezes sem conta, das três alturas em que houve fraldas por aqui.
Também é um livro que uso muitas vezes com os meus alunos para mostrar como a nossa cabeça-cultura-coração-imaginação consegue tão facilmente completar uma história que, de imagens, tem só uns papéis rasgados.
Recentemente escolhi-o para a prateleira Biblioteca do Público do LuCa, a propósito do ciclo sobre o Racismo. E na semana passada, numa belíssima sessão organizada pela Baobá sobre A representação da deficiência no livro infantil, voltei a lembrar-me dele.
Leo Leonni é um mestre. Uma espécie de Matisse dos álbuns ilustrados, dado ter sido pioneiro na utilização da colagem na ilustração para a infância.
Lembro-me de ter tido um trabalho de casa, em 1981, que era fazer o recorte de um gato de um papel de jornal. A minha mãe, que fazia os cadernos de escola mais invejados do bairro — sim, cortava as folhas, cosia-as e ilustrava a capa, o que fazia as delícias das minhas amigas (que acabavam por também receber um!) — sugeriu-me que o recortasse à mão, sem tesoura.
Dizia que, assim, o papel do jornal rasgado ia parecer o pelo do gato. No alto dos meus seis anos achei um terror: ia ficar mal recortado!? A menina-eu de seis anos queria fazer direitinho, como as meninas querem normalmente. Mas, após alguma resistência, lá não-recortei o gato, que ficou, claro, muito engraçado.
Os papéis rasgados de Leonni são de uma enorme abstração e abertura: por serem formas coloridas não figurativas, representam só o suficiente para que a nossa imaginação faça o resto.
Ao mesmo tempo, se a personagem é um bocado de amarelo ou azul em vez de ser a imagem de um menino, azul ou amarelo, as possibilidades de história aumentam imensamente: há personagens que se desfazem (mesmo) a chorar, que mudam (mesmo) de cor, cuja amizade é de tal maneira forte que um abraço as transforma. Mesmo.
Leo Leonni nasceu na Holanda (no meu dia de anos!), viveu nos EUA, em Itália e novamente nos EUA. Regressou a Itália aos 50 anos e foi nessa altura que começou a fazer livros infantis.
Diz-se que que ia desenhando à medida que contava histórias aos netos e que, um dia, numa longa viagem de comboio em que não tinha levado materiais de desenho, pegou numa revista e recortou um círculo amarelo e outro azul para o ajudar a contar a história que estava a imaginar.
Pequeno Azul e o Pequeno Amarelo é uma história de uma simplicidade acutilante e de uma beleza desarmante. Como são as crianças. É talvez por isso que nunca encontrei nenhuma que não se apaixonasse imediatamente por esta história mágica, sem princesas lilases, nem dragões feiosos.
É, ainda hoje, uma lição de ilustração, contenção e imaginação e a prova de que não é preciso muita palhaçada para chegar — chegar mesmo — aos miúdos.
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Pequeno Azul e Pequeno Amarelo
Kalandraka, 2010 [1ª edição 1959]
Leo Leonni
isbn
978972878153
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