Dou aulas há 12 anos. Não costumo falar disso aqui. É como se essa parte da minha vida — que enche grande parte dos meus dias — não fizesse parte da minha história aqui. A razão é simples: pudor.
Se já tenho algum em revelar aqui os meus filhos — que tenho dado a conhecer ao longo dos anos através da sua relação com os livros —, esse pudor aumenta imensamente quando se trata dos filhos dos outros. Os meus alunos são filhos de outras pessoas e os seus trabalhos ou o que dizem, por mais interessante que seja, não é para aqui chamado. Acho eu.
Por isso, aqui passo ao lado dessa existência, dessa relação, desse trabalho, dessa dedicação, desse combate.
Escolho a palavra combate. Ensinar é uma batalha. Não ensino só a desenhar. Não é só isso que
acontece, quando passam por mim 130 adolescentes por semana. No meio da
confusão, ensinar a desenhar parece ser às vezes o que acontece por
acaso: há que os convencer a experimentar, a trabalhar, a insistir, a
ficar sentados, a quererem fazer melhor.
Quem me conhece sabe deste gosto pelos livros e de como gostaria de me centrar apenas nisto.
Além
do cansaço que é manter tantos trabalhos ao mesmo tempo, tentando
garantir que tudo corre bem, custa-me cada vez mais a burocracia e os
entraves que todos os dias se levantam ao ofício — vocação, quiçá — de
ensinar.
Por outro lado tenho a certeza de que sou muito
melhor professora hoje que ontem, este ano que há 12 anos, quando
comecei, com o T na barriga, a ensinar a desenhar.
Nos dias em que corre bem, em que um miúdo finalmente acaba um projeto em que se envolveu durante várias semanas e olha para o que conseguiu com orgulho, nem reparo na estafa que tenho em cima. Da luta de não desistir de lhes dizer sempre: "está a ficar bem, mas experimenta fazer assim ou assado"; "já está melhor, mas sei que ainda dá para fazeres mais isto ou aquilo"; "não digas não consigo, o máximo que podes dizer é não estou a conseguir — se dizes não consigo, é meio caminho para não conseguires mesmo"..."
Do esforço que é tentar perceber o que funciona com um ou com outro.
Do desalento que é, às vezes, não chegar a alguns. Sei que dão a volta, mas muitas vezes mais tarde, quando já não são meus alunos.
Mesmo assim é bom saber que alguma coisa fica lá, nem que seja em apenas um dos 130.
Vem este postal a propósito deste melro artista e de como o achei
parecido com os meus alunos adolescentes: está lá tudo, em potência,
mas é preciso ajudá-los a focar e a procurar o melhor em si. O melro
ganhou confiança para ser quem é e sentir-se bem com isso.
Não sem no entretanto sofrer bastante, tal e qual como um adolescente
que sofre e vive tudo tão intensamente. Mesmo aqueles tocados pela
aparente brutal indiferença!
Como este melro artista, sofrem com o seu corpo, com os seus pares, com os adultos, com as suas escolhas, com a construção de si próprios. Mas depois vibram, também
intensamente, perante a obtenção de um sucesso e disso é mesmo bom de
fazer parte.
Por
exemplo, receber uma carta de um aluno de quem nunca sonharia receber nada, em que me diz, passados anos, que eu ter sempre acreditado nele (mesmo quando ele não acreditava em si próprio) foi um marco fundamental na sua vida, dá forças para mais 12
anos disto.
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O melro artista
Bizâncio, 2018
Marion Deuchars
isbn 9789725306178
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