Voltar à cidade é muito difícil. Voltar a pôr sapatos nos pés é do
pior e a minha ligeira claustrofobia ganha alguma expressão por estar
muito mais tempo dentro de casa. Os miúdos adiaram até ao primeiro dia
de escola tirar as havaianas dos pés — e eu também.
Não
fui criada no campo, mas talvez por em criança passar o mês de agosto
numa praia a norte e os primeiros quinze dias de setembro acampada no
Algarve, tenha este sentimento de clausura em relação ao fim do verão
dentro de quatro paredes.
Sobre um dos livros que escolhi para o espetáculo agora em cena no LUCA, falava da cidade como "um animal assustador, com muitas coisas
estranhas escondidas na sua juba emaranhada. A natureza torna-se tímida ao pé da cidade". Pudera.
A cidade dos animais é uma história em que uma menina
visita um grupo de amigos animais, num lugar secreto e lhes conta
histórias. A história que os animais mais gostam de ouvir é aquela em
que são protagonistas, como os meninos
pequeninos.
Ao
mesmo tempo que tem uma sinopse simples, esta é uma história
intrigante, meio de ficção científica, porque retrata um possível
futuro, em que uma cidade foi abandonada à natureza ou, melhor ainda, em
que a natureza a engoliu.
As ilustrações são selváticas, com cores vibrantes e sobrepostas como é a
natureza. Mas da mesma matéria são as cores dos despojos humanos, ali
deixados para Nina e os seus amigos explorarem, como novos brinquedos.
Os dois mundos são agora um grande parque de diversões para Nina&cia.
A
história não chega a ser assustadora — porque é que a cidade foi
engolida pela vegetação?, onde vivem agora os homens? — porque vemos uma
representante da espécie
humana, Nina, a tal menina contadora de histórias. Que belíssima característica humana, esta, a de contar histórias!
Ainda estamos na nossa velha casa, este miradouro da cidade, numa selva
de caixotes, onde restam poucos livros de fora para ler. Haveremos de
ter parte da casa nova a céu aberto e isso faz-nos aguentar melhor este
aperto em que estamos, agora mais que nunca.
No
entretanto, delicio-me a olhar lá para fora, para os caixotes de Lisboa, tão bonitos,
para as pessoas que passam apressadas ou gritam em São Domingos e divirto-me
a imaginá-los engolidos por lianas
e transformados em tigres e flamingos.
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A cidade dos animais
Orfeu Mini, 2017
Joan Negrescolor
isbn 9789898327994
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