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14.5.18

Ainda que eu fale a língua dos Homens

Fiz anos há uns dias e resolvi finalmente tirar de baixo da pilha de livros (que vou acumulando e que quero aqui mostrar) um que já ali está há mais de um ano. Fui adiando escrever sobre ele porque é um livro que dá luta, dá trabalho e de facto é difícil de entender.
Quando o livro apareceu por aqui o R estava a dar os primeiros passos na leitura e achei que pô-lo a ler Ké Iz Tuk? seria uma má jogada... Hoje vai estar no tapete para quando chegar da escola.

Pareceu-me o livro certo para assinalar mais um ano de existência: porque é um livro difícil de entrar se quisermos lê-lo com olhos muito "crescidos" e também porque nele está o ciclo da vida, a passagem do tempo, a relação com os outros e com o mundo e essas coisas todas que nos vêem à cabeça quando fazemos anos. A mim vêm.

Também há uns dias, pensava e discutia que o meu papel enquanto curadora destes pacotes™  — que continuam a seguir caminho por esse mundo fora —, também é dar a ver, a ler, livros "fora da idade," para cima e para baixo.

É que se é verdade que vale a pena usar livros mais "puxados" para provocar miúdos que já têm ritmo de leitura e alguma maturidade, também é verdade que há pontos importantes que só se atingem com outro tipo de livros eventualmente "demasiado infantis".

Um das vantagens que tenho em continuar a receber álbuns ilustrados para os mais pequenos (além do meu próprio deleite) é que o B,13 quase 14, leitor ávido e maduro, continua a ler tudo o que aparece por cá, inclusivamente os livros que não são para a idade dele — mas para baixo.

Os álbuns ilustrados têm uma riqueza de leitura que desaparece dos livros só de texto. Têm ainda mais diferentes possibilidades de leitura pela convivência do texto com a imagem. E assim podem fazer soar campainhas que não tocam de outra maneira, sem as imagens em relação com a palavra.

Em adultos perdemos muita capacidade de ler imagens e talvez por defeito de formação, parece-me uma ferramenta tão útil e lúdica ao mesmo tempo que a devemos amparar o mais possível.

Até para não ficarmos desarmados perante esta provocação de Carson Ellis, que nos põe a assistir e a ler a língua dos insetos que vivem neste magnífico microcosmos.

Reparem que se fizermos a leitura do livro como se fossemos pré-leitores, só pelas imagens, não há nada de difícil nesta história. O problema começa quando queremos decifrar o texto, as falas das personagens.

Mas se sabemos que a linguagem dos animais é mesmo muito diferente da nossa, então não será difícil aceitar que se há aqui coisas que percebemos exatamente o que querem dizer, outras temos de tentar adivinhar ou até mesmo aceitar ficar "às escuras".

Que trabalho este, o da tradutora!... Espero que se tenha divertido e não desesperado.

Crescer em graça e em sabedoria vai muito para além dos verdes anos.

E aprender a desaprender é essencial para que possamos guardar connosco um bocadinho do mistério da Vida que recebemos no momento inicial da nossa existência.

Para podermos voltar a olhar para as coisas como da primeira vez. 
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Ké Iz Tuk?
Orfeu Mini, 2016
Carson Ellis
isbn 9789898327710

2 comentários:

  1. Este livro veio por acaso parar ao saco dos livros que trazemos da biblioteca (normalmente eu não selecciono grande coisa, os miúdos trazem para a mesa o querem levar e eu deixo-me surpreender) e foi tal o sucesso que já o voltámos a requisitar; para além que é um daqueles livros que nos deixa - ainda - a repetir frases muito para além dos tempos em que os lemos. Ainda hoje dizemos "Ké iztuk?" e "Tété" e "Xú!"

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