Quantas versões do Capuchinho vermelho terão sido escritas e reescritas? Há histórias assim imortais que permitem revisitações infinitas. Também porque há pessoas assim especiais que conseguem ter sempre um olhar novo sobre aquilo que tomamos por adquirido.
E, nesse processo, criar objetos assim geniais.
Um capuchinho vermelho é um desses pequenos-grandes livros que se lê dum trago e põe uma sala inteira a rir, dos 7 aos 67.
Já experimentei.
Interessante também foi a análise do B, 13, já tão consciente da "malícia de toda a mulher". É que achou a capuchinho-cara-de-pau (a miúda é mesmo só um pauzinho a sair do capuz!) tão esperta, que foi ao título encontrar uma justificação para defender a tese de que este capuchinho é afinal um capuchinho e não uma capuchinho. Perante as minhas apreciações mais literárias de que seria uma maneira de dizer que esta é apenas mais uma versão da eterna história, atalhou que, "Na verdade, só mesmo uma mulher para ter guardado um rebuçado envenenado".
Ele lá sabe.
E passou de imediato para o lado do lobo, com o apoio dos irmãos — "É que eu até gosto do lobo", "Eu também", "Coitado do lobo". E, num contra-ataque rematou: "É por estas e por outras que os lobos estão em extinção."
E pronto, a o mal voltou para o lado feminino.
Os mais novos acharam que o lobo só se tinha engasgado. É o que parece, de facto. Mas aquele "ingénuo" matador, na última página, escrito a vermelho, dito de frente para nós pela capuchinho, não deixa margem para dúvidas.
O lobo já era.
Ainda dei um raspanete ao T, 11, porque me disse que as ilustrações eram
"assim-assim": miúdo, para fazer estes rabiscos é preciso saber desenhar
muito!
Que talento.
A autora usa dois lápis: um de grafite e um vermelho para dar corpo e voz às duas personagens da história. O diálogo é o famoso para-que-tens-uns-olhos-tão-grandes e desde logo, pelo indignado "ei!" da miúda quando é apanhada, percebemos que este não é um capuchinho qualquer.
Que tremenda cara-de-pau.
Arriscaria a dizer que a sua estratégia está já perfeitamente delineada na página em que tem os braços atrás das costas. Como é que dois tracinhos podem dizer tanto?
Estás comido, lobo. Foste.
Um dia ouvi um académico desconstruir a história do Capuchinho Vermelho que vem lá do século XIV e foi imortalizada pelos suspeitos do costume, Perraut e Grimm: falou das interpretações que a lêem como uma história sobre a iniciação sexual ou sobre a puberdade ou sobre o desenvolvimento da mulher desde a meninice até à idade adulta.
A sério, há coisas que preferia não saber.
Por isso que bom reconciliar-me agora com ela, nesta versão minimal, feminista, sacudida, inteligente e tão, tão, tão cómica. O cérebro vence os músculos, sempre.
Viva.
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Um capuchinho vermelho
Orfeu Mini, 2018
Marjolaine Leray
isbn 9789898868145
Maravilhoso! Tudo.
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EliminarConheci está versão ma.ra.vi.lho.sa da tradicional história do capuchinho, há dois verões, em Lyon.... não resisti e trouxe-a em francês! Já a contei imensas vezes a miúdos e graúdos.... e todos a adoram.... é realmente fabulosa!!!
ResponderEliminarBeijinhos da costa alentejana
Sim, esta é das que tem a linguagem universal da genialidade... Beijinhos de volta:)
Eliminardelícia!
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