Há miúdos que trazem coisas para casa. O R traz coisas para casa. Nos
bolsos, nas mãos, na mochila. Eu já não sou uma miúda, mas continuo a
trazer coisas para casa.
E
foi por isso que, neste outono, os tesouros que normalmente ficam pelo
móvel da entrada a marcar as estações que vão passando (ali mesmo junto
às fotografias que todos os anos tiramos os 5 enfiados na photomaton)
vieram ocupar a parede da sala.
As
primeiras a chegar foram as sementes e, quando há umas noites atrás,
convidei o Roque a interromper a leitura do seu grande livro em
capítulos — Pipi das Meias Altas — para ler as Cem sementes,
ele saiu da cama, entusiasmado, para me vir mostrar a semelhança entre os
desenhos do livro e os tesouros que tinha trazido há dias para casa.
No
fim-de-semana fomos à quinta e voltámos a comer da terra: medronhos,
araçás, romás, castanhas. E não mostro aqui tudo o que apanhámos do chão
e das árvores, as malaguetas e o mangericão, as nabiças e as couves
galegas, os crisântemos e o alecrim, as alfazemas e a vinha virgem, nem
falo do gafanhoto coxo que alimentámos e salvámos e do ouriço que
encontrámos afogado no tanque e não conseguimos salvar.
O fogo não chegou a este verde Minho e os castanhos, laranjas, amarelos, vermelhos e dourados que
nos rodearam só eram assustadoramente bonitos — os tons que costumam por esta altura pintar o verde.
Há livros com timing perfeito; este é um deles.
No
caminho para o norte passámos por paisagens desoladoras, negras, onde mesmo assim a natureza começa já a renascer em força.
As
feridas das árvores são diferentes das dos Homens e por trás de tanto
negro é difícil não nos lembrarmos de pessoas e lugares que não
conhecemos e que agora estão mais presentes nas nossas vidas.
Recebemos
um requeijão divino feito com o último soro de leite que ainda estava
guardado de antes dos incêndios: as ovelhas e os pastos que lhe deram
origem já não estão cá para continuar a história. Saboreámos com a
solenidade que conseguimos este requeijão com uma história tão triste e
tão bonita ao mesmo tempo. Tentámos estar à altura, mas foi difícil.
Estas Cem árvores
contam-nos uma história que parece triste, mas que no final tem a sua
redenção, na aventura das cem sementes que depois de aparentemente se
terem perdido todas, deram afinal dez árvores à floresta.
Que
possamos cada um, naquilo que o seu papel lhe permite — políticos,
pais, professores, editores, ilustradores, ...— lutar por estas sementes
que morreram de facto: pela floresta, pelas árvores, pelo pasto, pelos
animais e pelo futuro.
Este fim-de-semana há o Organii Eco Market, na Lx Factory e a Nheko desafiou-me
a montar a biblioteca — uma prateleira-de-baixo! — na Casa Nheko. Para
além disso, desenhei 7 eco-pacotes™, pensados para miúdos entre os 0 e os
14 anos, que imaginei com diferentes personalidades: o eco-sonhador, o
eco-poeta, o eco-consciente, o eco-inquieto, o eco-aventureiro e o
eco-marítimo. Estes pacotes™ vão estar disponíveis e recheados com dois
livros cada um. Livros onde, de uma maneira ou de outra, se fala deste
ecossistema em que vivemos: da natureza e do Homem, da natureza do
Homem, da sua relação com o ambiente para podermos chegar a perceber o que é
realmente melhor para as pessoas, animais, planeta — para todos!
Este vai lá estar, claro.
..............................................................................................................
Cem sementes que voaram
Planeta Tangerina, 2017
Isabel Minhós Martins texto, Yara Kono ilustrações
isbn 9789898145802
Sem comentários :
Enviar um comentário