Estive na Serra a desenhar com os meninos das escolas da Guarda. Fizemos um livro, ou melhor, cento e quarenta livros, porque lá há muitos meninos que gostam de ir à Biblioteca.
Todos os livros tinham o mesmo título, mas todos acabavam de maneira diferente, porque todos os meninos eram diferentes. Aliás, o índice do livro era o mesmo para todos, mas as páginas eram todas diferentes. Igual-igual, só mesmo a capa.
Depois de ouvirem a Incrível História do Rapaz que Comia Livros e de se rirem a perder porque o Henrique é um pouco disparatado, queriam todos fazer um livro para comer, desculpem, para ler.
Mas como os meninos eram pequenos e ainda só sabiam escrever o nome, desenhámos muito.
Se eu fosse... era o título do livro. Os meninos eram meninos, não eram batatas nem almofadas, eram mesmo meninos, por isso tinham uma coisa chamada imaginação. Assim, podiam imaginar se fossem...
um doce,
uma cor,
um carro,
uma casa,
uma janela,
um animal,
uma árvore,
uma cadeira,
e uma personagem.
Mesmo tendo uma coisa chamada imaginação, às vezes era difícil pensar que cadeira seríamos se fôssemos uma cadeira e também era difícil escolher o animal que queríamos ser. De maneira que levei uma parede cheia de Mundo para ajudar a escolher e para ajudar a desenhar — porque,
como toda a gente sabe, todos já vimos uma vaca mas, na hora de a desenhar, não sabemos bem onde é que os cornos andam em relação às orelhas...
Os meninos tinham entre 3 e 6 anos e só alguns iam para a Primária no próximo ano aprender a ler, mas já todos gostavam de livros.
O R deixa a Infantil e é o meu filho mais novo; o T sai da Primária e é o meu filho do meio; o B muda de ciclo e é o meu filho mais velho, que já anda por terras estrangeiras sem pai nem mãe. A coisa não está fácil. Eu sei que digo que é muito bom vê-los crescer, mas esse prazer é pelo menos igual à nostalgia que se instala numa altura destas. É bom e é difícil.
Desenhar no chão com os meninos da idade do R, provocá-los com autocolantes já nalgumas páginas a ver como se safam, ver uns a chorar porque não conseguem fazer a girafa como "deve ser"
ou a rir porque se eu fosse uma casa era um arranha-céus enorme;
todas essas coisas, dizia, misturadas com este fim de fase, foram imensamente intensas e novas e brilhantes.
Mas, pronto, isso não interessa muito, o que interessa mesmo é o livro que cada um levou para casa, orgulhoso; o livro onde, na última página, e depois de terem imaginado ser muitas coisas, disseram o que eram —são — mesmo.
Isso e as ilustrações maravilhosas que construíram com alegria, atenção e curiosidade.
Aqui fica uma amostra, com a promessa de pôr durante a semana, no Instagram desta prateleira, todas as que consegui fotografar.
Se eu fosse um menino da Serra, seria um menino feliz.
Lindo!
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