Normalmente, não leio os livros que passo ao B. Ou já os li ou dou-lhos só porque são incontornáveis ou porque são sobre alguma coisa que sei que lhe interessa ou só porque me cheiram. A verdade é que não li alguns livros essenciais, mas com tantos outros que tenho para ler à cabeceira, não faço questão de ler estes agora.
(Imagino uma velhice calma, cheia de tempo para regressar aos livros de sempre e ter alguns clássicos como novidades.)
Deixar crescer também tem de ser levá-los a alguns lugares para depois lá ficarem sozinhos.
Já tinha lido sobre o projeto Save the story e, para as férias do Carnaval, lá veio o calhamaço que devorou num par de dias...
E, como algumas das histórias são os tais "livros essenciais", resolvi lê-lo eu agora, não vá a velhice pregar-me uma partida.
A abrir, D. Giovanni. A ler um pouco à volta deste livro, fiquei a saber que Kierkegaard ia
repetidamente à ópera ouvir o D. Giovanni, e que ficava nos corredores
para poupar o dinheiro do bilhete, pois, mas também para poder apenas
ouvir a música. Isto para dizer que também devo ter visto a ópera mais do que uma vez no S. Carlos com os meus pais, e ópera é ópera, ninguém acredita.
Agora, o meu primogénito ter sido apresentado ao D. Juan aos 11 anos pelas mãos da própria mãe — e sem que me tivesse apercebido disso —, é indesculpável, eu sei. Mas não ficamos por aqui.
Se quisermos falar de politicamente incorreto, chegámos ao livro certo. Ele há corpos esventrados, traições, homicídios, injustiças, suicídios, roubos, assombrações... E ainda me faltam duas histórias.
Dizia-me uma amiga que um pequeno trauma faz sempre bem. Na verdade ele não me parece nada traumatizado, eu é que estou.
Estou a brincar, claro. Quem vem a esta prateleira sabe bem que tenho um fraquinho pelo politicamente incorreto. E é às vezes com motes ou modos supostamente desadequados de contar que a atenção dos miúdos atinge o grau máximo e se pode dar a ver de um modo suave a grande riqueza e complexidade humana, sem o risco de cair em morais bacocas. É que a par das atrocidades todas, eleva-se em cada uma destas histórias uma força e beleza imensas.
Por isso, só tenho a louvar este primeiro volume de peso, ao qual se seguirá o segundo, não menos pesado com certeza. Pelo que percebo, em Inglaterra as histórias são publicadas em separado. Por um lado, o objeto assim grande, um calhamaço, tem piada dado o seu conteúdo; funciona tipo enciclopédia também pelo facto das histórias serem tão diferentes, recontadas por escritores e ilustradores tão diferentes.
Por outro lado, as histórias irem aparecendo uma a uma tipo cromos da coleção para a caderneta dos clássicos, também me pareceria uma grande ideia, talvez mais acessível a todos. Que é a intenção final desta coleção: "Salvar os grandes clássicos do esquecimento". No final de cada história, já depois do epílogo, há um outro capítulo com o título "De onde vem esta história", onde é dado a conhecer pelo autor do reconto a história da história. Invariavelmente, no fim, fica o convite mais ou menos explícito a ler a verdadeira e integral história inesquecível.
Comigo funciona.
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Histórias inesquecíveis — As melhores histórias da literatura universal contadas aos mais novos
Nuvem de letras, 2015
Antígona_Ali Smith texto, Laura Paoletti ilustração
Capitão Nemo_Dave Eggers texto, Fabian Negrin ilustração
D. Giovanni_Alessandro Baricco texto, Alessandro Maria Nacar ilustração
Crime e castigo_ Abraham B. Yehoshua texto, Sonja Bougaeva ilustração
Gulliver_Jonathan Coe texto, Sara Oddi ilustração
isbn 9799896650278
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