Há livros que aparecem assim em momentos chave.
Por cá não há Nãos, mas ainda há demasiados Vou já.
Menos mau.
Céu disse tantas vezes não que lhe saltou a cabeça.
Fica de cabeça perdida e parte em busca da sua, lá para os lados da montanha.
Passámos a semana a dizer não a esta violência absurda. A abanar a cabeça de perplexidade, a ficar sem palavras perante todo o absurdo.
Agora, quando passo pelo livro da menina chamada Céu (tudo me parece uma metáfora) e destas palavras pequenas e tão poderosas — não e sim —, já não consigo ver só a história da menina malcriada que aprendeu a lição. Foco-me na sequência do não para o sim, na esperança que passemos rapidamente para um Sim global, e não só desta menina Céu.
Durante uma semana até as três cores do livro me pareciam a bandeira desbotada e enlutada. O cérebro — Mãe, esta árvore parece um cérebro! — tem destas coisas.
Das várias cabeças que foi encontrando, nenhuma lhe agradou. Queria a sua.
Passamos a vida a enfiar carapuças, a pormos-nos na pele de outras pessoas, mas há coisas que são tão inconcebíveis que mesmo com uma imaginação fértil, não encaixam. Como a cabeça nuvem, ou pedra ou flor. São ótimas, mas não são a dela.
O livro acaba com Céu a emendar o Não por um Vou já. Talvez esteja a ser demasiado ambiciosa a querer o patamar seguinte, o de passar para o Estou a ir, até chegar ao último degrau, utópico, porventura, de simplesmente virem.
Cá em casa também não há Não consigo; o máximo permitido é um Não estou a conseguir. São só palavras, talvez. Mas parece-me que o espírito que passa é bem mais positivo e autónomo em que primeiro se tenta e só depois, se necessário, se admite que não se é capaz e se pede ajuda. Evita muita preguiça, acreditem, e traz grandes alegrias de pequenas conquistas.
Nesta conjuntura europeia, mundial, lutemos todos para que seja possível partir dum Não estou a conseguir em vez dum Não consigo para se chegar a pôr em prática a famosa e tão certeira frase de Benjamin Franklin: “They who can give up essential Liberty to obtain a little temporary safety, deserve neither Liberty nor safety.”
Cá em casa já a aprenderam.
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Eu quero a minha cabeça!
António Jorge Gonçalves
Patológico, 2015
isbn 9789899944633
booktrailer
Lançamento dia 28, 16h, na Fnac Chiado.
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