Um dos livros da minha infância foi O menino maluquinho, do Ziraldo. Adorava todo aquele disparate, eu que não era muito disparatada.
Um dia da Feira do Livro encontrei uma coleção de livros lindos do autor para miúdos bem pequeninos e arrematei aquilo para os meus afilhados. Sou fã.
Este ano, No verão da praia, chegou de surpresa este livro para a prateleira-um-bocadinho-menos-de-baixo. Eram os anos capicua do B.
A BD já ganhou prateleiras específicas cá em casa. O Ásterix faz companhia ao Lucky Luke e ao Gaston. Os patinhas estão ali na passagem, meios desfeitos, com umas relíquias pelo meio.
A BD é negociada: acho que, se deixasse, o T só lia disto. Já tenho dito a amigas desesperadas, deixa lá, BD é ótimo. E é. E muitas vezes é a porta de entrada na leitura para muitos miúdos. Depois vem o resto.
Conhecendo o T, sei que pode e quer mais, de modo que trato de lhe abrir outras portas: durante o dia e ao fim-de-semana engole muitas vezes as mesmas histórias de quadradinhos; à noite a festa é outra. E tudo vai bem, crescendo num gerúndio doce e lento.
Mas este Menino Quadradinho engana. Parece que é mas não é uma livro de BD. Ou é e deixa de ser. Parece confuso e é. O Menino Quadradinho é feliz no meio dos quadrados, das cores, dos heróis, dos sons e dos signos que conhece, conhecemos. Mas está a crescer e as imagens vão se tornando palavras, quer ele queira quer não (como o T!).
Aqui não há gerúndios doces e lentos. Um dia, depois duma noite bem dormida, as vinhetas desapareceram. E com elas as cores, os heróis, os sons e os signos: um brutal mundo a preto e branco só de letras. Tinha acordado do lado de fora da sua infância.
A história não é nada fácil porque é bastante abstrata.
Graficamente portentosa, os quadradinhos e as cores desaparecem, para dar lugar às letras cada vez menos desenhadas, cada vez mais pequenas até se tornarem as pequeninas letras pretas ordenadas sobre o branco, como num livro de crescidos.
Crescer não é fácil. A abstração da imagem das letras e das palavras mistura-se com a dos segundos sentidos, dos sentidos figurados, das palavras traiçoeiras.
E é por isso que o Menino Quadradinho não está a fazer companhia ao Ásterix e aos outros quadradinhos; anda ali mais para cima, entre os mistérios da Agatha Christie por onde o B-capicua já passa e onde o T-só-de-um-dígito irá um dia chegar, nem que seja em bicos de pés.
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O Menino Quadradinho
Booksmile, 2015 (1ª edição 1989)
Ziraldo
isbn 9789897073373
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