Finalmente (acabou) o verão. A violência da chuva de ontem lavou aquele calor que ainda andava por aí preso aos calções e aos chapéus dos turistas. Estes vinte graus são magníficos agora, não me queixo, e até sabe bem pôr umas meias.
Lembro-me de ler este Finalmente o verão num dos primeiros dias de calor, ao fim da tarde, todo de seguida. Nem sequer era fim-de-semana, mas o Verão tem aquela coisa excecional dos dias durarem mais do que vinte e quatro horas; por isso, não sei bem como, aconteceram os tpc, os banhos e a preparação do jantar, tudo na mesma, como se o tempo tivesse parado e alguém tivesse a dar a volta caótica do fim da tarde por mim. E eu tinha estado ali completamente dentro dum outro mundo no meio de todos. Os livros têm esse poder.
Ler este livro, ver este livro, é como ver um filme: tem o ritmo dum filme e os enquadramentos dum filme. Podia até jurar que tem música.
Enquanto escrevo isto, esforço-me loucamente por me lembrar da personagem de outra história (de um filme, julgo) que me faz tanto lembrar a Windy. Ouço-lhe a voz meio rouca e o riso demasiado alto e meio arrapazado. Sem sucesso.
Este livro não é um livro infantil, nem sequer um álbum ilustrado. Não sei até se devia estar na prateleira-um-bocadinho-menos-de-baixo. Que livros cabem nesta prateleira?
A coleção do Planeta Tangerina para adolescentes e outros leitores mais crescidos já aqui apareceu e, na verdade, também fui eu que a li. É certo que depois de ler estes livros arrumo-os na prateleira e espero que eles lhes peguem. De vez em quando pergunto se já leram este ou aquele ou aviso que talvez ainda não seja a hora para aquele outro. Às vezes percebo que o começaram e deixaram para trás e depois vejo que, um ano depois, acabaram por o ler. Este, espero que não o leiam tão cedo. O livro é lindo e absorvente mas muito duro, com temas e vocabulário muito fortes.
O B andou toda a semana a fazer imensas perguntas sobre o número de irmãos em cada família e a possibilidade real ou não de escolher esse número de filhos. E é claro que, durante a semana, o assunto escalou para a pergunta fatal. Lembro sempre uma amiga que apontava, com tanta razão, o timing terrível mas acertadíssimo dos filhos ao fazerem as perguntas difíceis no carro: vais ali fechada com eles (provavelmente até está trânsito) sem escapatória possível e tens de te mostrar à altura. Aproveitei que a sua curiosidade tivesse apontado a pergunta na minha direção e tentei resolver a coisa de uma forma bonita e descontraída, não sem que antes tivesse tido um pequeno momento de pânico. Pois, estava no carro... Não era a primeira pergunta e não será a última, mas à medida que o tempo passa as repostas tornam-se cada vez mais difíceis.
Deixei-o à porta e socorri-me depois da ajuda dum livro, claro, e é verdade que há vários factos da vida que podem, devem chegar, através dum livro. Alguns, seria bom até que não passassem da experiência literária.
Não consigo ver nos miúdos cá de casa aquilo que se diz do crescem tão rápido. Vejo isso nos filhos dos outros, mas aqui por perto vou passando as t-shirts duns para os outros à medida que mudam as estações e só fico um pouco nostálgica quando não tenho uma gaveta para onde possa passar o número 2/4. Vejo o tempo a passar. Gosto de lhes ver as t-shirts sem serem muito largas, como gosto de não passar etapas com eles. Algumas passam e passarão fora da nossa vista, como é suposto, mas é muito bom que algumas possam acontecer à nossa beira, devagar e outras, arriscaria, adiadas ad eternum. (Hoje, por exemplo, descobri que afinal o T não só já leu O Menino Quadradinho, como já o releu. É que ele põe-se em bicos do pés.)
O livro acabou de entrar nesta prestigiada lista junto com outro da mesma coleção da Planeta Tangerina. E, quer as primas japonesas a viver no Canadá que o fizeram a duas mãos, quer a portuguesíssima editora que o trouxe até nós estão de parabéns.
No outro dia encontrei o livro desarrumado e assustei-me um pouco, confesso. Pergunto-me agora se terá estado na origem de tanta pergunta.
Não me espanta que peguem nele, há páginas lindíssimas e verdadeiramente comoventes, pelo menos para o meu olho assim, já de lágrima atrás na orelha pelo fim do verão e pelo fim de outras coisas.
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Finalmente o verão
Mariko Tamaki texto, Jillian Tamaki ilustrações
Planeta Tangerina, 2015
isbn 9789898145666
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