Como sabemos que um livro é uma obra-prima?
Quando o vemos agradar a uma menina de 2 anos, a miúdos de 4, de 8, de 10? Quando uma miúda de 16 o vai procurar para si à livraria depois de o ouvir contar? Quando é o presente perfeito para uma mãe que já não compraria um livro de cantos redondos aos seus filhos? Quando um adulto solta uma gargalhada de dar gosto, num corredor, na passagem entre um problema e outro, quando lhe mostro umas páginas?
Ou será que é quando é óbvio que com tão pouco se fez tanto? Terá sequer o Bernardo P. Carvalho tantas canetas quanto o R (marcadores, a sério? dirá um adolescente).
Será possível uma obra-prima ter tão poucos carateres? Poderá ser um texto assim, um não texto assim, considerado uma obra-prima?
No outro dizia apresentavam o Daqui ninguém passa como um dos grandes livros de 2014. Como saiu já avançado no ano, espero que muitos o julguem de 2015 para que continue a passar nos destaques das boas e das más livrarias.
(Julgo que estará, neste momento, claro que a minha opinião é que o Daqui é, no mínimo, um dos grandes livros da década!)
Sabemos que é uma obra-prima quando frases do livro entram no nosso dia-a-dia, quando o último grito que ouvimos, já de luz apagada, é "Canalha!" ou "O guarda é o nosso herói!"; ou quando para a minha pergunta, zangada, para trás no carro a meio do nosso cross-country, "mas afinal o que é que se passa?" a resposta é "o que se passa é que daqui ninguém pode passar..." A risota é geral e a viagem continua sem mais incidentes.
Quando o lemos à noite ao R, o T, que supostamente está a ler outro livro, assinala que falta uma fala, se a saltamos por distração ou porque o cansaço já nos venceu. As palavras são importantes, já lá dizia o outro.
E agora faltava falar do livro, da maravilha da página imaculada, do piscar de olho aos adultos dos anos 70 (até o ET lá está), das private jokes para quem conhece os habitantes da PT (porque será que a escritora é a única que não tem direito a cores??, porque é que a Madalena está de cabelos em pé?, a Carol e a Cris estão iguais). E também faltava falar do guarda-coração-mole, da bola que resolve sempre tantos conflitos, das semelhanças — pura coincidência, claro — entre o general e alguns ditadores, dos que, ao longo das páginas, da direita e da esquerda, dançam, dançam, dançam como se não houvesse amanhã.
E também faltaria falar da maneira como a história avança da esquerda para a direita e depois também para fora, para o mundo, sem direita ou esquerda.
Mas mais vale lerem o livro.
............................................................................
Daqui ninguém passa
Isabel Minhós Martins, texto e Bernardo P. Carvalho,
ilustrações
Planeta Tangerina, 2014
isbn 9789898145628
Que bom que a prateleira está de volta!
ResponderEliminarÉ bom estar de volta! Obrigada
ResponderEliminar