Vamos ao segundo, o filho do meio. Era o mais novo, mas depressa encarnou o seu novo papel, grande ator que é. Vai para o 1º ano e até há bem pouco tempo não consegui imaginar isso a acontecer. Depois começou a fazer contas (treinado pelo B até à exaustão), a pedir trabalhos de casa e a ler pequenas palavras.
Tirei a Cartilha da prateleira. Chegou o momento. Fizemos umas lições há uns tempos e o T sentiu-se promovidíssimo. Como fiz com o B, (como farei com o R, quando for o a altura certa - se for a altura certa), passo agora com o T pelas lições da Cartilha Maternal de João de Deus. O livro que usamos é mesmo a que a minha Mãe usou comigo e que funcionou comigo.
Quando são bebés, os miúdos precisam de nós para tudo e tudo é descoberta e espanto, para eles e para nós. Depois vão crescendo e a vida corre neles, fora de nós. É natural, é bom. Numa altura em que já são tão autónomos, é fascinante e surpreendente observar este começo, um novo olhar sobre a palavra, sobre o mundo.
Ao mesmo tempo faz pena que comecem também a deixar de demorar-se tanto nas ilustrações, que comecem a perder os pormenores que nós, na preguiça da palavra, já há muito não vemos.
Sendo um livro da “velha guarda”, é um livro divertido, porque ao juntar na mesma página palavras começadas ou acabadas pela mesma letra ou sílaba, constrói uma espécie de poemas concretos nonsense tão ao jeito do T que se ri perdido quando descobre as palavras que leu: vida idiota, boi boa, bota batata, bela fala fivela.
Na escola onde andam misturam o método fonético com o global. Da minha dupla experiência, é de facto assim que os miúdos começam a ler: reconhecem a imagem da palavra e depois associam o som às letras que vão conhecendo. A Cartilha segue o método fonético mas de um modo natural, um pouco ilógico até, pois não segue o abecedário de A a Z; antes, vai entrando na língua devagar, pelo lado conhecido, pelo lado fácil, para chegar aos vários valores que a letra pode ter, às exceções, ao caos, enfim, da bela língua portuguesa.
João de Deus dedica este livro às Mães em 1875, e apresenta a Cartilha como uma escapatória ao “flagelo da cartilha tradicional”.
Eu, que acho que a escola é um bem maior e não um mal menor (se for uma boa escola, bem entendido), gosto particularmente que seja ao lado da Mãe que comecem a ler.
Faz mesmo sentido que este novo abrir de olhos para o verbo, venha de quem os trouxe no princípio até à carne.
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Cartilha Maternal
Convergência, 1977
João de Deus
visto desde sempre
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