Este teria sido o tempo para aqui trazer um livro sobre abóboras ou fantasmas, escuro ou caveiras. Para brincar aos sustos ou pensar sobre o medo.
Mas, na semana que passou, o susto foi outro. Um pesadelo mesmo aqui ao lado.
As imagens assustadoras que vimos já não chegam do outro lado do mundo, dos tornados americanos, dos tsunamis na Ásia ou da seca em África. Devagar, ao longo dos anos, as cheias recorrentes do norte da Europa têm descido ao sul, cada vez para mais perto.
O rio galgou as margens e levou na torrente passado e futuro.
Um amigo americano trouxe-me, no verão passado, este livro sem palavras. Se sabia que um dia o iria pôr aqui, não imaginei que seria a este propósito. E também não sabia que esse dia seria este "day after" tão amargo e desconcertante.
O livro conta a história da relação entre uma árvore e um rio. E, enquanto o faz, aprendemos também a história da civilização que por ali passa, com mais ou menos respeito pela paisagem, com mais ou menos intervenção sobre ela.
A civilização que por ali passa, ou antes, que por ali se impõe, é humana. Talvez não exatamente a nossa, mas muito semelhante — naquilo que tem de vícios, desejos e ciclos.
Duas ou três casinhas, uma igreja, depois a aldeia e a cidade, a suposta evolução. Duas margens semelhantes, mas opostas. E, no meio desta azáfama, a conversa entre a árvore e o rio é constantemente interrompida; mas eles não desistem.
Nem perante a morte.
A natureza tem a secreta força das sementes. A semente é enviada como um recado. A árvore moribunda, num último suspiro, deixa a sua mensagem, deitando ainda a sua semente ao rio, que a recebe e lhe dá vida.
E tudo se regenera.
Pudesse tudo ser tão simples.
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Candlewick Press, 2023
Aaron Becker
isbn 9781536223293