Finalmente a viagem adiada. Na verdade estava adiada uns vinte anos, se me atrever a fazer as contas.
Chegar como um pássaro e ver o quilt da bacia de Lyon, com seus tecidos de tantos verdes, castanhos, vermelhos, laranjas e amarelos. Muita água, também, lá em baixo, rodeada pelos Alpes brilhantes, branquíssimos.
Aos pássaros é-lhes dada essa graça de ver de cima, de olhar o mundo assim do alto, organizado e limpo.
Aos homens é-lhes dada a graça de ver por dentro, de desenhar o mundo assim do alto, organizá-lo nesses micro-universos a que chamamos edifícios.
Ver arquitetura segundo os olhos de um pássaro é o que de mais perto há de ver realmente o que o arquiteto concebeu no papel, mas está tão longe do que experimentamos num lugar. É que fica a faltar o essencial: a 4ª dimensão da arquitetura, diz-se, o espaço-tempo. Nada há
de tão concreto, afinal. E a luz ajuda, a moldar o espaço e a ver o
tempo.
Enquanto percorro os corredores muito baixos do convento, desenho na igreja vazia e iluminada de cores, subo ao terraço-jardim ou descanso na cela solitária, relembro lições de teoria da arquitetura, agora aqui tão na prática, ponho cada um dos meus amigos arquitetos nas fotografias que tirei e nos desenhos que fiz.
Imagino Charles-Edouard menino, a brincar com formas de madeira no chão: o cilindro, a pirâmide, o cubo, o paralelepípedo. É que as citações de *Le Corbusier que repesquei para ensinar, estão ali à minha volta, em cada esquina, a cada segundo.
Risquei da lista mais um dos grandes edifícios a visitar. A minha lista não é igual à do Speck, o pombo-anfitrião deste livro, mas tenho a sorte suficiente de já ter uns tantos carimbos e a esperança que baste para ter a certeza de que verei outros tantos.
Se tivesses sobrevoado o Convento, Speck, tinhas visto muita coisa, de facto.
A propriedade incrível onde assenta o edifício, o claustro perturbador, os terraço-jardins, o campanário,
os bosques e o riacho, a casa do gelo e o cemitério dos Irmãos. Só que te ficava a faltar tudo o resto:
as Laudes entrecortadas pelo ritmo da fachada mondriânica, ouvir Xenakis enquanto desenhavas os canhões de luz,
ouvir o silêncio de 22 adolescentes a desenhar, dormir na cela e calcular o teu próprio Modulor, abrir a porta da igreja com o Ir. Jean-François e vê-la a transformar-se numa cruz, ou ouvir as palavras secretas do Ir. Marc no topo do terraço que nos conta como é que Le Corbusier decidiu as cores da Cripta.
E, embora isso não esteja, não possa estar, em nenhum livro de arquitetura (nem mesmo no teu),
é com o Architecture according to pigeons que continuamos por aqui a sonhar voar até outras grandes máquinas de habitar.
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Architecture according to pigeons
Phaidon, 2013
Speck Lee Tailfeather e Stella Gurney texto, Natsko Seki ilustrações
isbn 9780714863535
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